domingo, 28 de outubro de 2007

NOTAS

Barulho na casa de Deus
Em Salvador a população se sente incomodada com o barulho causado pelas igrejas durante com seus cultos, louvores e gritaria ate muito tarde da noite. Segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde, o limite tolerável ao ouvido humano é de 65 dB, que corresponde a quatro pessoas conversando animadamente. Já com ruídos acima de 85 dB, dependendo do tempo de exposição e o nível do barulho. Poucas igrejas se preocupam com o assunto, fazendo seus cultos ate uma determinada hora, e revestindo as paredes do local para que o som não se espalhe para os moradores, que tem o direito ao silêncio.

Feira da Saúde( AIDS/DSTs, Drogas, Gravidez na adolescencia: o que tenho haver com isso?)
O Colégio Raimundo Gouveia, localizado no bairro de Castelo Branco, faz uma feira de conscientização para os jovens no próximo dia 10. A feira vai tratar de assuntos que estão em alta entre os jovens, e trazer mais informações sobre os assuntos abordados: AIDS/DSTS, Drogas e Gravidez precoce.

Imprudências na sinaleira
Um grande problema está tirando o sossego dos moradores da primeira etapa do bairro de Castelo Branco. É a falta de respeito dos motoristas com a sinaleira que fica localizada na rua A, segundo ponto após a Nestlé. Muitos deles não respeitam o sinal fechado e fazem ultrapassagem do carro que está à sua frente ou então invadem o sinal mesmo ainda fechado, sem se preocupar ao menos com os pedestres que estão atravessando a rua. Até o momento nenhuma medida foi tomada pelos órgãos competentes e já que o número de acidentes têm se tornado freqüente, cresce ainda mais o medo dos moradores de atravessar a sinaleira mesmo ainda que o sinal esteja fechado.

A mania do pastel
Quem chega à rua B, ou melhor, dizendo, à Rua da Ferinha da Primeira Etapa do bairro de Castelo Branco não pode ficar sem saborear os pastéis que são vendidos a partir das 18h todos os dias da semana. Os pastéis são fritos na hora e a variedade dos sabores é grande. É pastel de carne de sol com aipim, misto, de pizza, de goiaba,de queijo, calabresa, moda da casa, enfim são muitos os sabores.O cliente pode utilizar o cardápio para escolher o qual quer experimentar e ainda participar da promoção que, com mais alguns centavos leva um copo de refrigerante. A venda dos pastéis consegue atrair gente de todas as idades e já se tornou mania no bairro.



Telefones Úteis:
Centro cultural de Plataforma: (71)3386-4769E-mail: centrocultural@funceb.ba.gov.br ou centroculturalplataforma@yahoo.com.br
AMPLA (Associação dos Moradores de Plataforma) (71)3398-2883
Conheça:A travessia Plataforma –Ribeira. Reformada a pouco tempo a travessia dura poucos minutos, onde a meia tarifa custa R$ 0,50 e a inteira R$1,00. É uma experiência nova para quem estar acostumado a andar somente de ônibus e confortável porém para quem não gostar de navegação fica um aviso:



Baixa dos Sapateiros: uma história sem final feliz

Por Lucas Rocha

O que um dia foi considerado o centro comercial da cidade de Salvador, com um grande tráfego de ônibus e pessoas, e onde também circulava muito dinheiro, acabou transformando-se em um local quase abandonado. Aquelas ruas por onde corriam carros em mão dupla e com um trânsito intenso acabaram se reduzindo a uma avenida de mão única, onde agora passam menos veículos do que nos anos anteriores. A Baixa dos Sapateiros foi uma região de extrema importância histórica e econômica para Salvador, mas, hoje, os comerciantes que lá estão afirmam que o comércio da região não é mais o mesmo.
Tendo como ponto forte o comércio, a Baixa dos Sapateiros abriga muitas lojas e tendas de sapateiros. A atividade comercial chegou até lá por causa da expansão do comércio da Cidade Baixa. Lá, foi inaugurado o primeiro cinema da história da Bahia, porém não mais permanece em primeiro lugar quando o assunto é o comercio.
Segundo informações divulgadas no site do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a diminuição do trânsito no local aconteceu por causa da construção da Estação da Lapa, na década de 80. Com essa mudança, os meios de transporte coletivos que circulavam pelo centro comercial da cidade, mudaram para a nova estação, deixando o antigo Terminal de ônibus da Barroquinha esquecida. A dona de casa Cleonice Medeiros, 59 anos, freqüenta a Baixa dos Sapateiros há 32 anos e afirma que o movimento caiu muito nas duas últimas décadas. “Antigamente isso aqui parecia um formigueiro, era gente indo, era gente vindo. Aqui tinha um trânsito muito grande de dinheiro, aquilo que era tempo bom para o povo daqui”. Cleonice, que tem uma paixão pelo bairro, onde o marido trabalhou em uma tenda de sapateiro, sente muita falta da época em que a região era muito movimentada.
Uma pesquisa realizada pelo SEBRAE com 100 pessoas no ano de 2005, revela que a maioria dos freqüentadores do bairro são moradores e trabalhadores, sendo uma pequena parcela de turistas e residentes de outros bairros de Salvador. Mulheres acima de 46 anos são as que mais freqüentam o local por causa dos serviços oferecidos. Dos entrevistados, apenas 22 possuíam veículos. O principal motivo pelo qual as pessoas freqüentam a região é o fato de estar localizado próximo às suas casas. Luciano Oliveira, 26 anos, vendedor da loja Casa da Cortina diz que a clientela da loja em que trabalha geralmente é do tipo C, D e E, nunca do tipo A ou B. Ele atribui isso a falta de segurança pública, afirmando que antigamente não havia muita opção para os soteropolitanos, mas agora, com a construção de vários shoppings, as pessoas começaram a freqüentar outras regiões. “Hoje, todo o bairro possui seu próprio mini-shopping”, comenta Luciano
Dentre os principais fatores que contribuíram para o declínio do comércio na Baixa dos Sapateiros, alguns estudiosos destacam três: a criação da Estação da Lapa, que acabou diminuindo drasticamente o tráfego que acontecia na região; o fato de os estacionamentos passarem a ser pagos, afastando muitos clientes que antes estacionavam com mais comodidade e sem que houvesse tarifas; e alguns apontam a desunião dos próprios comerciantes.
Há alguns anos, o bairro era considerado muito perigoso pelos moradores de outros bairros, principalmente para turistas. Porém, segundo o dono e gerente da loja Casa do Sapateiro, Gerson Luís Souza, 46 anos, o problema da segurança pública na região da Baixa dos Sapateiros já está mais estabilizado: “Hoje em dia o problema da segurança pública já está estável, antigamente isso aqui era muito pior”. Gerson trabalha na região há 31 anos, e desde que começou trabalha com cinco empregados. Apesar das dificuldades enfrentadas, Gerson garantiu que ainda consegue manter os cinco. Ele atribui a culpa do abandono da região à própria modernização, pois este conjunto de fatores (a construção da estação da Lapa, o fato de o estacionamento passar a ser pago...) infelizmente culminaram na piora da região.
A falta de estacionamento gratuito também foi um dos fatores que contribuíram no afastamento das pessoas do bairro. O vendedor Oliveira se queixa bastante da falta de segurança pública e da ausência de estacionamento gratuito para os fregueses. Ele trabalha na região há oito anos e mora há cinco e diz que nesse meio tempo já percebeu a decadência do comércio. “Não vou dizer que a vendagem do ano de 2006 para o de 2007 teve grande mudança, mas a gente sente uma diferença. E como todos sabemos, aos poucos a decadência vai se mostrando, todo ano diminui um pouquinho, e esse pouquinho acaba preocupando”.

Um pouco de história

A Baixa dos Sapateiros era chamada de Rua da Vala, e compreende as regiões do Largo do Aquidabã e da Barroquinha. Antes disso, a região conhecida como Baixa do Sapateiro ia da baixa da Ladeira do Taboão (ladeira que liga o comércio à Baixa dos Sapateiros, onde trabalham alguns sapateiros e costureiras) à Rua da Vala. De acordo com o livro “Histórias de Salvador nos nomes das suas ruas”, de Luiz Eduardo Dorea, a Baixa dos Sapateiros tem como nome oficial Rua J. J. Seabra, uma homenagem feita ao governador do estado.
“A Baixa dos Sapateiros ganhou seu nome pela topografia de sua localização e pelo agrupamento profissional que nela começava a se instalar durante o século XIX”, divulga o site do SEBRAE. Nessa região havia diversas casas de couro, que eram muito freqüentadas por sapateiros. Esses mesmo sapateiros, ali iam comprar produtos para fazer a confecção e o conserto dos calçados. Havia também muita “tenda” de sapateiros, por causa desses fatores que veio o nome Baixa dos Sapateiros, que começou a decair, com relação ao comércio e à segurança pública, a partir das décadas de 80 e 90.
Foi na Baixa dos Sapateiros onde foi inaugurado o primeiro cinema de Salvador, em 1910, o Cine-Teatro Jandaia, conhecido também como “Palácio das Maravilhas”. Cinco anos depois, a Baixa dos Sapateiros ganhou outro cinema: O Olympia. “Nos anos 20 e 30, as classes média e alta desfilavam na Baixa dos Sapateiros, freqüentando as famosas matinês do Cinema Olympia ou as esporádicas apresentações teatrais no Cine-Teatro Jandaia, um dos prédios mais elegantes do Centro Histórico”, divulga o site do SEBRAE.





Shopping Liberdade: suas belezas e contradições




por Priscila Bastos



O Shopping Liberdade atrai pela sua estrutura arquitetônica. Não há como passar de ônibus ou a pé e não sentir vontade de entrar. A arquitetura chamativa, uma fachada com o nome do shopping, as plantas, as entradas: pela esquerda, direita e pelo meio, são atributos que despertam curiosidade de todos que por ali passam. Embora seja tão atraente aos olhos de todos, a situação não tem sido muito favorável. Segundo declarações de comerciantes, um dos motivos é que o retorno não tem sido o esperado, há uma baixa freqüência.
O estabelecimento possui três andares e 120 lojas, das quais 67 estão em funcionamento e 53 fechadas. Os estabelecimentos mais procurados são as lojas de telefonia, loteria, farmácia e restaurante. Com uma construção bem elaborada, deveria estar em melhores condições, certamente é o que passa pela mente das pessoas que não conhecem o shopping ao saberem que um número significativo de lojas estão fechadas.
O shopping Liberdade atravessa momentos de mudança: lojas fechadas, outras investindo em um negócio antigo e outras que chegam para arriscar. Como é o caso da loja Claro, que está no local há quase três meses. Danieli Telles Coelho, 18, e Ivo Adorno da Silva, 23 , vendedores da loja, muito simpáticos, estão descontentes com o negócio. “O shopping tem pouco movimento, pouco marketing”, declarou Danieli. Desanimada com o rumo das vendas, Danieli diz que não acredita na mudança do shopping e, sim, dos capacitados.
O gerente comercial, formado em administração, José Luiz Werneck Maria, que está no cargo há três anos, fala de maneira muito sincera, fazendo revelações inimagináveis para meros freqüentadores, que na correria não param para questionar a atual situação do estabelecimento. Apesar de não estar na administração na época da implantação, Werneck afirma com certeza que o retorno não é o esperado. Para ele, houve um erro na implantação: “Muitas lojas estão fechando porque não foi definida a classe a ser atendida”.
Werneck deixa claro outra problemática para o insucesso do shopping: “O shopping de bairro é administrado por várias cabeças”. Assim como o gerente, a comerciante Ana Oliveira, 40, que possui duas propriedades no estabelecimento, atribui o insucesso do shopping ao fato da administração ter muitos operadores, muitas opiniões. Esta dificuldade ressaltada por ambos também pôde ser percebida quando o Shopping Liberdade ganhou o Top of Mind 2005, prêmio de melhor shopping de bairro. Com indignação, o gerente conta que os próprios administradores duvidaram do prêmio e que eles foram acusados de comprar o prêmio.


Público
Os freqüentadores do shopping também arriscam palpites sobre o shopping Liberdade, é o caso de Paloma Alves, 19, estudante de psicologia. Ela, que freqüenta os boxes de xerox, as lojas de telefonias, lanchonetes, fala que “o shopping tem uma arquitetura boa, quem passa tem vontade de entrar, mas as lojas fechadas e a imagem já instalada que vende caro faz com que as pessoas não freqüentem”. Paloma aposta na melhoria do shopping, para ela é preciso colocar lojas que atraiam mais. Com bom humor, ela brinca: “Queria que o shopping tivesse uma loja Canal Jeans, Americanas e C&A”.
Muito interessante foi encontrar um casal de São Luís do Maranhão apreciando a vista da Baía de Todos os Santos. Otávio Lousado, 31, gerente da Insinuante de São Luis e sua esposa Elaina Lousado, 22, atualmente dona de casa, estavam visitando familiares nas proximidades do shopping e resolveram conferir a vista para a Bahia de Todos os Santos, que por sinal os encantou. “Muito bonito, uma imensidão”, afirmou Elaina.
Segundo o gerente comercial do shopping, o estabelecimento não foi criado por causa da vista, o local era um campo de futebol, depois supermercado e por oportunidade foi colocado o shopping. Mas existe o plano de fazer da vista, um turismo cultural, ou seja, fazer parte do circuito cultural já existente na Liberdade, mas isto ainda não foi definido.

Comerciantes de sucesso
Apesar dos conflitos que o shopping vem passando, “pouco movimento”, queixa dos comerciantes e “preço nada acessível”, na opinião dos moradores, há exemplos que se salvam diante de tanta contradição. Como a baiana do acarajé Josenice Brotas, 36, que trabalha no local desde que o shopping foi inaugurado. Ela já é consagrada por ser a única baiana a trabalhar em frente ao shopping e por fazer acarajés e abará muito gostosos! Vale a pena ir ao shopping a partir das 17h, horário em que a baiana chega, para conferir. O interessante é que Josenice trabalha na área externa do shopping. Quando perguntada porque não colocou um stand na parte interna, ela afirma que foi escolha, assim tem clientes dentro e fora do shopping.
Silvana Soares, 37, uma vendedora alto-astral, também tem conseguido driblar os problemas que o shopping vem enfrentando. Silvana que está no shopping há quase três anos, tem um boxe logo na entrada do shopping, pelo lado esquerdo, onde vende doces. “Acho o comércio fraco, pra comida é fraco, mas a gente consegue se virar”, afirma e emenda: “Como em todo shopping, o fluxo era maior no começo, agora reduziu, mas já consegui fazer meus clientes. Se saísse, faria falta”.
Muito interessante é a comerciante Ana Oliveira, 40, popularmente conhecida como Xuxa. Ela tem dois boxes no shopping, um no primeiro andar, há quatro anos, e outro no térreo, há três meses, ambos de alimentos. Seus boxes possuem destaque pela variedade: bombons, salgados, doces, café, suco, de tudo tem um pouco. “O meu comércio tem sido bom, mas o shopping é fraco”, conta Ana. Ela tem sido um dos poucos comerciantes a emplacar no shopping, talvez o seu apelido esteja ajudando no sucesso.

Eventos
O shopping, a depender das datas comemorativas, oferece vários eventos, por exemplo nas estações do ano:na primavera costuma-se colocar floricultura. Há também desfiles, que consistem em exibir os produtos das diferentes lojas. Alguns eventos já estão definidos, como: música ao vivo todas as sextas-feiras durante duas horas e aulas de dança de salão todas as segundas, quartas e sábados, das 17h às 20h na praça de alimentação. A divulgação destes eventos é feita através do rádio, carros de som e através do jornal A tarde. Sobre tais eventos Werneck fala com saudades do Projeto “Painel da Liberdade”, que consistia em dá oportunidade a novos talentos, mas não foi a frente por problemas na administração.


Constrangimento
A partir das 21h, já é possível observar em frente ao shopping pessoas se acomodando para passar a noite. Quem passa às 6h da manhã se assusta com uma fila grande, onde pessoas em pé aguardam senhas do SAC para retirar identidade gratuita e resolver outros problemas. Não há senhas para todos e é possível identificar o descontentamento das pessoas. É possível ouvir: “Devia ter ido no shopping Iguatemi”.
Ana Cristina, 31, que esperava para ser atendida, colava apressada com vários pedaços de durex a certidão de nascimento original do pai, resmungando muito. Ela acha que não vai conseguir novamente resolver o seu problema. Mora na Fazenda Grande e não freqüenta o shopping Liberdade. “É a segunda vez que fico nesta fila”, fala de maneira desolada.
A população de baixa renda se vê diante de um belo shopping onde de nada usufruem, apenas passam pelo constrangimento de encarar uma fila imensa para muitas vezes não conseguirem senha. Os funcionários do SAC tentam uma organização, mas bem se vê que a manhã será longa diante de tanta burocracia: senhas limite para tirar a carteira de identidade, além de outras pessoas que estão ansiosas para resolverem outros problemas.
Tal situação me remonta a citação de Werneck: “Não foi definida a classe a ser atendida”. Talvez a principal encruzilhada do shopping seja o fato de querer lidar com o público criado e não o real, não a população batalhadora da Liberdade.
O shopping conta com projetos futuros como a capitação de novas lojas e equacionar público-loja, loja-público.

(outubro de 2007)

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terça-feira, 16 de outubro de 2007

Perfis

Edgar fareja

Rachel Koerich

No colégio Mendel Villas não há espaço para pilantragens. Apelidado carinhosamente de cachorrão, o inspetor Edgard Figueiredo Filho, 65 anos, um homem baixo, carrancudo, de cabelos brancos e possuidor de um bigode que faria inveja a Hitler, numa batalha diária, sob a desculpa de “estar mantendo a ordem”, se dedica à perseguição de jovens delinqüentes no colégio Mendel, situado em Villas do Atlântico (Lauro de Freitas).
Nascido em Vitória (ES), cachorrão foi criado numa casa repleta de mulheres, apenas. Seu pai, militar de alto escalão, conhecido por todos ou como “uma rocha” ou como “mulherengo”, havia falecido, durante a sua gestação, de tuberculose. Para a “Dona Cidinha”, de quem Edgar fala com enorme respeito e lágrimas nos olhos, ficou a nobre tarefa de criar os três filhos, ele e suas duas irmãs mais velhas.
A presença feminina não serviu para amaciá-lo: “Um cara como eu, que vivia rodeado de mulheres, tinha que se policiar um pouco, ninguém ia me chamar de maricas!”.
Durante a sua juventude, em que esteve em um colégio militar, o caçula sempre seguiu uma postura muito firme diante de seus colegas, alguns diriam que até “firme demais”. Sempre membro de uma gangue, Edgar e seus colegas, carrancudos como ele, aterrorizavam os magricelas e frágeis; por ora lhes propiciando humilhações públicas que envolviam cascudos, ou levantamento de cuecas e por outras, enfiando o dedo nariz e colocando em cima dos maiores bifes do almoço.
No setor amoroso, nunca teve muito sucesso. Nos vestiários femininos, em narrativas coléricas, se referiam a ele como “brutamontes”, “vilão” e até, nos casos mais drásticos, como “assassino”.
Um dia Edgar se viu apaixonado e, se arrepende: “uma única vez, pra nunca mais!”. O bruto Edgar de um dia pro outro passou a usar colônia, gel nos cabelos, sapatos bem encerados e esporadicamente colhia flores no jardim do internato que acompanhadas por um cartão, com dizeres primitivos e brutos como ele, tinham a intenção de impressionar a sua amada. Queria conquistar a bela Darcy (mais lágrimas nos olhos), uma menina morena, alta, esbelta, bochechas coradas, conhecida por todos pela sua bondade e pelo constante apoio aos fracos e oprimidos.
Sua Primeira Derrota; Darcy o repudiava e, no mais, estava apaixonada por um jovem poeta, tímido e magricela. O dedo no nariz não resolveria a disputa desta vez.
Edgar tentou seguir a carreira militar, mas não obteve muito sucesso, sempre esteve em uma posição desprivilegiada e ainda por cima era mal remunerado: “dava pra sobreviver”. Acabou se casando com Dona Paula, com que teve um casal de filhos e vive até hoje “não era a Darcyzinha, mas dava pro gasto”.
Hoje, aposentado, trabalha como fiscal no colégio Mendel. Andando de um lado pro outro, como numa marcha militar, carregando, sem exageros, um chicote (apenas terrorismo) “serve pra colocar aqueles desordeiros, vândalos, meliantes na linha!”, Edgar procura se redimir de todas as suas injustiças do passado, protegendo firmemente os desfavorecidos e vítimas de agressões, dando aos “trombadinhas” o tratamento que merecem.


Uma história de luta e perserverança

Aricelma Araújo

Dizem sempre, que toda mãe quer o melhor para seu filho. Que todas elas, cuidam, protege, zela, dar carinho, conselhos, abraços, chora, dar risada, se emociona com eles, enfim cumpre seu papel.
Dona Ivete, 62 anos, morena clara, cabelos pretos, de estatura média, moradora de uma cidadezinha do interior da Bahia, chamada Varzedo, de aproximadamente oito mil habitantes, não é diferente. Está sempre cumprindo a missão que deus lhe deu: Cuidando sempre dos seus nove filhos. É uma mãe exemplar, que qualquer filho gostaria de tê-la. Está sempre com seu manto cobrindo todos que à cerca, protegendo, aconselhando, apoiando, incentivando em suas decisões. Nunca está cansada para nada, atende, escuta os anseios, os desejos, as frustrações dos filhos. Para ela todos são iguais, nenhum deles é diferente, como diz sempre: “Amo todos do mesmo jeito. São todos ainda, as minhas crianças”. Repete sempre estas palavras quando seus três filhos que mora em Salvador ligam ou quando os que estão do seu lado fica carente.
Em Varzedo todos a conhecem devido sua história de vida. História de sonhos luta perseverança, determinação e conquistas. Quase toda a população a conhece, e quem ainda não, concerteza já ouviu falar o seu nome pela cidade.
Perdeu seus pais ainda quando criança, mas mesmo assim não deixou que a vida lhe desse um destino triste. Buscou no trabalho forças para continuar vivendo, para esquecer a dor da perda de seus heróis, como sempre diz a seus filhos hoje. Viu que através do trabalho, a vida poderia ter novamente sentido. Daí então, aos 17 anos conheceu um homem com quem casou-se e que lhe fez ver a vida de forma diferente. Seu casamento com Adiel Moura, está a completar 45 anos no corrente ano. A união entre o casal não podia ser diferente, sempre cheia de muito amor, isso perpetuou até hoje e acredita ela, este sentimento seguirá até os seus últimos dias de vida.
Sonhadora, batalhadora, não desiste nunca de seus sonhos, corre sempre atrás do que quer. Busca sempre solução para seus problemas, mesmo onde acha não ter. Sempre idealizando algo, faz com que todos os filhos sonhem com ela. Sempre pregando. “Não há vitória sem luta”, conseguiu fazer de seus filhos pessoas determinadas, que buscam com garra o que quer.
É de fato uma pessoa especial, que conseguiu dar a seus filhos o que a vida não lhe deu. Sempre buscando dar carinho, amor, atenção, incentivo, conselhos a todos, lhe fez ser para eles um exemplo de ser humano. Reconhece ela, ser uma mãe que está sempre buscando o melhor para seus filhos. Quem já teve o prazer de lhe conhecer, reconhece isso e faz questão de mencionar. O que a deixa mais triste é a saudade que sente dos filhos que moram distante, as desigualdades sociais e a falta de paz no mundo.
Nas horas de tristezas, procura fazer as coisas que mais ama. Cuida das plantas, ouve músicas, visita os amigos e vizinhos e vai para cozinha fazer os pratos prediletos para aqueles que já estão à chegar do trabalho.
O que lhe stressa de verdade, é quando alguém mexe com seus filhos. Ela fica realmente uma fera, perde completamente a noção das coisas e quer logo resolver o problema de seu jeito.
Todos dizem na cidade: “Ivete, defende os filhos, com unhas e dentes. Uma mãe como essa é difícil achar”. Todos ali, reconhecem que ela faz o que pode por todos eles.
Um pouco teimosa, como ela mesma reconhece, está sempre às escondidas, comendo as coisas que não pode, devido o problema de hipertensão que sofre. Não leva muito a sério as reclamações dos filhos. Sempre deixando-os preocupados. “Eu sei me cuidar gente. Na hora que eu quiser eu tomo o remédio. Deixem de agonia comigo”. E assim vai levando a vida.
Debaixo de troncos e barrancos, não se deixa abater por nada, é de fato uma guerreira. Uma heroína. É alguém que possui uma história que de fato caberia dentro de um livro e emocionaria todos que a lessem. Enfim, quem a conhece sabe muito bem, não existem palavras suficientes para definir o grande ser humano que é.




Duas Caras

Priscila Bastos


Uma menina muito bonita, Paloma Bastos, estudante de Psicologia das Faculdades Jorge Amado, é muito meiga e sensível. Ela se estressa com as coisas e logo fica emburrada, mas o que por sinal é muito engraçado.
Atualmente ela tem ficado muito estressada com a faculdade, acha que estão sendo muitos trabalhos ao mesmo tempo, assim fica logo doente, ela mesma diz: “Eu somatiso tudo”.
“Não estou estudando muito, vai Priscila fazer a prova pra mim”, falava ela para sua irmã. Ela cobra muito de si mesma.
Quando foi fazer a sua prova teórica no DETRAN ela passou por um imenso constrangimento. Chegou um pouco apreensiva no local, pegou a sua senha e ficou aguardando, até que foi chamada.
Quando entrou na sala onde iria realizar a prova, entregou o seu CPF, identidade, renach, em fim, todos os documentos que favorecem a burocracia. Passou por este atendente, quando foi para o segundo colocar a sua assinatura em uma lista, logo começou o drama. O rapaz olhou para ela de cima a baixo e deu uma risadinha irônica, ela sem entender aguardou o que ele ia dizer, já estava ansiosa para sentar no computador e fazer logo a prova. Aí então o rapaz disse que ela não podia fazer a prova, já tinha feito no dia anterior, agora foi a vez de Paloma dá uma risadinha irônica para ele. Ela explicou que tem uma irmã gêmea e que esta tinha feito a prova no dia anterior.
Ele não acreditou de imediato, olhou novamente os documentos e não queria mesmo deixá-la fazer a prova, até que Paloma disse para ele conferir logo a digital, depois disso o rapaz se não acreditou foi obrigado a se conformar.
Finalmente ela pôde sentar e fazer a sua prova, não muito calmamente, pois o rapaz sempre dava uma olhadinha para ela e Paloma que estava nervosa a esta altura estava em crise.
Diante de tal situação, que não foi a primeira nem a última Paloma chegou a casa dando muita risada e contando o acontecido.
Apesar de ser risonha, também leva muito a sério o que as pessoas lhe dizem, é o tipo de pessoa que temos de ter o maior cuidado para não magoar.
Na fase em que se encontra, 3° semestre do curso dos seus sonhos, ela tem aplicado tudo o que aprende para a sua família, se alguém comenta sobre algum distúrbio, lá vem ela com mil explicações, tudo tem causa e tratamento.
Para quem tem a honra de conviver com esta menina se encanta com o seu jeito alegre, melancólico e dramático. Paloma audaciosa sabe muito bem como utilizar o seu melodrama a seu favor, com carinha de desamparada acaba convencendo a todos que o que ela quer é o melhor para o momento e acaba conseguindo.
Ela gosta muito de tirar fotos, na sua infância não muito, mas hoje se junta com a sua irmã e são muitos flashes.
Com o seu jeito dicotômico ela é o ser humano de carne e osso, não usa mascaras, chora e dar risada sem medo de ser feliz.



Salgados Lucrativos

Vanessa Moraes

Todos os dias Rose chega cedo a um cursinho localizado no centro da cidade de Salvador onde fica seu ponto de venda de salgados. Trabalhadora desde de cedo ela não reclama da vida que tem, vende salgados com suco ou refrigerante não só para os pré-universitários do cursinho, mas também para as pessoas que circulam pela cidade.
Conhecida como “ a tia do salgado”, Rose é uma mulher de 52 anos e com três filhos e com uma felicidade estampada no rosto,nunca pensava que poderia dá uma vida estável aos filhos, estava separada do marido e desempregada, porque largou o emprego para cuidar dos filhos quando menores e não mais conseguiu,teve que tirar seus filhos do colégio particular. Mas veio a idéia de vender salgados em um colégio,logo viu que não traria muito lucro.Depois de alguns anos quando seu filho mais velho estava perto de prestar vestibular, foi trabalhar na porta de alguns cursinhos da cidade,conheceu muita gente que parava para comprar seus lanches, era famosa dentro e fora dos cursos. Conseguiu um pouco de estabilidade financeira e assim dá uma vida digna aos filhos, uma das sua maiores alegrias foi colocar seu filho em uma faculdade de medicina que tanto queria e poder pagar com o dinheiro da venda dos lanches e algumas ajudas.



O homem do século 21

Jordan Mendes

Nascido na pequena cidade de Ibirataia, no interior da Bahia, casado a 25 anos e pai de dois filhos, Gidel sai de segunda a sexta de manhã bem cedo rumo ao destino que percorre a trinta anos.
Cabelos grisalhos, bigode imponente, durante a semana ele mantém a seriedade. A preocupação com o trabalho é constante. A dedicação intensa. Permanece na empresa durante todo o dia. Chega às 7hs e sai às 16hs. Quando retorna ao lar, toma um café e abre o laptop. É incrível como consegue assistir os noticiários e trabalhar simultaneamente. É literalmente o homem-modelo do século 21.
Sexta-feira à noite é o momento de relaxamento. O boteco da rua é o destino, onde ele conversa com os amigos sobre os mesmos assuntos e faz as mesmas brincadeiras. Sábado é o dia do “baba”. Na sacola vão todos os acessórios: chuteiras, caneleiras, short, camisa, meião. Sente-se um verdadeiro profissional. Depois do “baba” acontece a resenha entre os amigos, regada a cerveja. Já no domingo a preferência são os filmes e os jogos televisionados, essa segunda opção muito criticada pela patroa.
Quase aposentado, quando perguntado sobre o futuro diz que vai fazer uma faculdade, de matemática ou física, e que depois de formado vai lecionar. Sem dúvida, esse incansável homem de 53 anos, vai ter muita coisa pra ensinar.




Fazendo graça com a vida

Priscila Rodrigues

Cabelo bagunçado, olhos profundos, boca grande e carnuda de sorriso sempre presente, músculos bem definidos por causa da intensa malhação, alguns dizem que ela tem cara de maluca, mas ela faz de propósito. Seu hobby é animar! Por onde ela passa contagia. Adileide não é uma pessoa comum. Não só o seu nome não é comum e acho que é único, já que foi fruto de uma invenção de seu pai, mas ela toda é única, com toda sua alegria e loucura. São 45 anos que ela vive de uma maneira feliz, feliz até o extremo. Marido, dois filhos, uma de 24 e um de 20, dona de casa normal, se não fosse a seu bom humor.
Infância no interior da Bahia, cidadezinha do sertão de nome Euclides da Cunha. Sua família não era rica, nem um pouco, mas não passava necessidades. Seu pai tinha um bar e sua mãe uma barraquinha na feira. Ela própria na sua adolescência tinha a sua barraquinha de cocada na feira. Ajudar a mãe e seus 8 irmãos era rotina.
Hoje, sua vida não é nada especial e também é presa à rotina. Almoço, filhos, limpeza, TV, marido, roupa, janta, e academia. Academia é a palavra chave em sua vida e onde ela despeja toda a sua alegria. Ao chegar na Well, academia onde malha, ela já começa a contagiar os coleguinhas. Boa tarde animado, sustos, muitos gritos e perturbação durantes as aulas de ginástica são suas especialidades. Por conta disso muitos professores a admiram e pensam que ela é presença essencial durante suas aulas, já que anima e deixa o clima menos tenso e obrigatório, como é a atmosfera de uma academia.
Conhece todos e aqueles que entraram a pouco tempo têm que se acostumar com seu jeito despojado e intrometido de ser. Há ,é claro, aqueles que se sentem invadidos quando ela já chega perguntando como vai e qual seu motivo real para se entregar a malhação e também há a grande maioria, aqueles que se acostumaram ou gostam da presença chamativa e contagiante de Adileide.
A cara de maluca vem das caretas que ela faz. Caretas engraçadas e bem feias mas todas tem um elo de bom humor presente. Elas servem nos momentos de esforço, descontração e quando ela quer abusar os que não gostam dela.
“Sobe no jegue meu povo!!”, é uma de suas frases gritadas durante as aulas de Spinning (aula onde todo estão em cima de bicicletas ergométricas especialmente ajustadas para simulação de subidas em ladeiras e acelerações intensas) e os professores já adotaram sua frases e também o jeito descontraído de dar aulas.
Sua fama é tanta que em seu último aniversário os alunos, professores, funcionários e o próprio dono da academia se juntaram e fizeram camisas personalizadas e festa para ela na própria academia. Seu presente foi um mês grátis de malhação! Muito emocionada ela contava para todos da família o feito como se fosse uma das melhores coisas que aconteceu com ela. Para ela que tem uma vida cheia de dificuldades como outras tantas pessoas nesse mundo, não caberia falar a sua história de luta e sofrimento mas sim, a sua história de superação e alegria. Todos os dias ela supera os obstáculos da vida contagiando a todos com seu bom humor quase inabalável. Como qualquer um ela também vive momentos tristes, mas na academia eles simplesmente não existem!




Mais uma história de amor

Liz Silveira

Sentada na beira do mar, Sandra o esperava. Coitada, mal sabia que ele não iria ao seu encontro. As horas passavam e a jovem de 23 anos, se desmanchava em lágrimas. Pobre moça bonita dos olhos de mel, jamais sofrera assim. Na praia, mais parece uma sereia. Cabelos ao vento, sorriso assanhado, um jeito moleca e o andar engraçado.
Tribalista no seu jeito de ser, sempre esmagou corações, com exceção de um: O de um homem meio mal. Aquele que a fez chorar e perder a cabeça em cada instante ao seu lado. Sandra apaixonou-se perdidamente, fez e refez sonhos, desmanchou-se em alegria cada noite e cada dia. “Jamais perdi minha cabeça desta forma, que erro! Que burra que sou!” exclamou.
O homem mal era um belo e alto grisalho de 30 anos, médico e músico. Muito bonito e sensual, por acaso.
Sandra é uma gaúcha criada na Bahia, ela nasceu em 03 de dezembro de 1983. Sempre muito dedicada, formou-se em direito e mudou-se para Florianópolis para exercer a profissão de advogada. Talvez, numa tentativa desesperada de esquecer aquele que um dia tanto a fez chorar.
Quanta maldade, iludir um pobre coração amando outra pessoa. Quem este homem pensa que é? E de que adianta tanta beleza quanto à da jovem Sandra, se a paixão sentida pelo seu amado foi tão repentina e frágil a ponto de se acabar em apenas um mês?
“Não adianta me lamentar, bola pra frente”, pensou. Não era justo deixar tanto brilho se ofuscar, era muito talento e beleza para uma pessoa só, mas, nem tudo é perfeito. E o seu erro foi se entregar.
Um ano se passou, ela se acostumou com a nova vida e a rotina tomava todo o seu tempo, já não se ocupava tanto com motivos sentimentais. Estava tudo indo muito bem, nada como se tornar uma mulher bem sucedida num lugar lindo e evoluído. Tinha acabado de alugar um bom apartamento e o estava decorando, não saía muito além de alguns happy hours com os colegas de trabalho. Mas tudo bem, sua vida profissional era o que lhe interessava no momento. Até um dia...
De repente, em sua caixa de entrada do e-mail havia chegado uma mensagem pouco esperada e muito desejada. Era ele, o médico grisalho. Ele voltou a fazer contado! “E agora? O que faço? Respondo, guardo ou apago?” Desesperou-se a pensar.
Na mensagem dizia: “Olá moça bonita, como está? Tenho pensado muito em você, gostaria de lhe ver, posso ir ao seu encontro?” Nossa, seria muita cara de pau da parte dele?
Seguindo a regra de que as mulheres agem puramente com o coração, Sandra o respondeu e aceitou a visita. “Agi rápido, nestas horas é melhor não pensar”.
Enfim, o homem mal foi ao seu encontro. Envolveram-se em lindas noites de paixão e todas as estúpidas emoções da bela morena vieram à tona. O futuro é incerto, mas, “De que adianta tanta cautela se o que eu quero é ser feliz... Ao lado dele?” Pensou.A jovem advogada resolveu se entregar e desfrutar deste sentimento um tanto proibido pela razão, pois o futuro a Deus pertence.



O Anão Dunga

Ricardo Follador


Todos que chegam ao posto Esso, localizado no bairro de Jaguaribe, percebem a movimentação de um senhor de uns 70 anos correndo em direção aos carros para conseguir um trocado para tomar sua “cachaçinha do dia”. É o anão Dunga, morador à mais de vinte anos, e figura histórico do bairro, seu apelido ninguém sabe quem colocou, apenas que ele responde por esse codinome, conhecido pela sua baixa estatura, no máximo 1,40 m de altura, Aparenta uma idade mais avançada, mal vestido e com aspecto físico degradado, o anão Dunga vive de doações das pessoas do bairro . Sem casa própria, Dunga mora aos arredores do bairro, nas casas abandonas, em algum lugar onde possa estar próximo do posto. Vivendo de pequenos biscates, o anãozinho é conhecido de todos, alguns moradores da região o chamam para beber juntamente com eles, outros preferem apenas zombar com ele, o que não o deixa irritado, pois está sempre com os poucos dentes que tem para fora.
Acostumado com o emprego de “calibrador de pneus” do posto, emprego que ele se auto denominou, Dunga hoje vive um conflito, o equipamento que pertence ao posto, foi mudado, e o novo foi colocado em uma altura que o anão não alcança, causando problemas para ele, que tem dificuldades de alcançar, e já não agüenta mais o ritmo dos anos anteriores, já que já está numa idade avançada.
Apesar de todos essas dificuldades, Dunga parece estar contente com sua humilde vida, toma sua cachaça diariamente e bota o papa em dia das ocasiões que acontecem no bairro.



Isso é ridículo!!!!

Manoel Arthur


No primeiro contato pensei que fosse chata.Mas com o passar dos dias e com os trabalhos desenvolvidos para a faculdade pode perceber que minha opinião não passava de um preconceito.Assim com o passar do semestre pode perceber o quão era legal e prestativa minha colega Claudiana Silva.
Em nossas conversas corriqueiras sobre o curso e sobre nosso dia-a-dia essa técnica de enfermagem me mostrou ser uma guerreira.Trabalha á noite dando plantão no HGE(Hospital Geral do Estado), ás vezes vem direto do plantão para a faculdade.Queria ser médica mas poderia ser a Deusa do ébano do grupo Ilê Ayê por sua beleza. .Conversamos muito sobre nossa profissão, onde sempre eu falo: “porque você não faz enfermagem?”. Ela sempre me reponde que queria ser médica ao invés de enfermeira.
Sempre que faço um comentário ou coloco um apelido que ela não gosta, logo declara: “Isso é ridículo”.Sempre que estou reclamando da vida, me lembro do esforço que essa guerreira faz pra correr atrás dos seu objetivos.Claudiana ou Wanda ou Zileide é uma grande mulher e um grande exemplo de persistência e determinação.

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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Entrevista com Alba Zaluar

Folha de São Paulo, 2004


Antropóloga, estuda há mais de 20 anos a violência urbana e é coordenadora do Núcleo de Pesquisa das Violências (Nupevi) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A pesquisa dirigida por ela na Cidade de Deus, nos anos 80, deu origem ao seu livro "A Máquina e a Revolta". Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus" foi integrante de sua equipe de pesquisadores.


Folha - A violência nas regiões metropolitanas brasileiras aumentaram muito nos últimos anos. Por que, apesar disso, a senhora diz que temos motivos para otimismo?
Alba Zaluar - Eu diria que temos motivos para otimismo porque não somos um país de guerreiros. Nunca nos envolvemos, por exemplo, em guerras mundiais. Nossos heróis são jogadores de futebol, sambistas e artistas. Somos um país que valoriza muito o espetáculo e que reconhece que o talento pode aparecer em qualquer classe social. Nos Estados Unidos, o [diretor Martin] Scorsese nos mostra [no filme "Gangues de Nova York"] que as vizinhanças se organizaram, desde o século 19, em gangues. No Brasil, as vizinhanças se organizaram em blocos de Carnaval e escolas de samba. Isso é uma baita diferença. Até hoje, os chefes do tráfico no Brasil ganham apelidos no diminutivo, como Fernandinho ou Escadinha. Nos Estados Unidos, os apelidos são de animais ferozes ou nomes de guerreiros africanos. Esse é um indicativo de que nosso etos guerreiro não é tão forte quanto o de lá. Isso mostra que é possível superá-lo com mais facilidade.


Folha - Então por que estamos tão violentos?
Zaluar - É preciso ter políticas públicas para superar isso. Houve no Brasil um fraquejo institucional do Estado. É preciso mudar nossa polícia e o Judiciário para que a impunidade diminua, especialmente nas classes mais privilegiadas. É preciso, por exemplo, achar uma maneira de valorizar o profissionalismo na polícia. Hoje, os governos acabam indicando os delegados e chefes de batalhão por critérios políticos. Os Estados têm que acabar com o bairrismo e trabalhar em conjunto.

Folha - Em que período a senhora identifica o início desse fraquejo do Estado?
Zaluar - No que diz respeito à polícia, isso é claro durante a ditadura militar [1964-1985]. Nesse período, tudo foi permitido à polícia. A imprensa estava amordaçada e ninguém podia denunciar abusos. A maneira de combater a corrupção é criar mecanismos internos de controle e não amordaçar ninguém. É preciso ter mecanismos por meio dos quais as pessoas atingidas pela violência policial possam fazer reclamações sem temer pela própria vida.

Folha - Pobreza e desigualdade não são também elementos fundamentais para explicar a violência?
Zaluar - A idéia do nosso projeto no Nupevi é ultrapassar a argumentação simplista do determinismo econômico que faz com que se pense que toda a questão da violência e da criminalidade possa ser explicada apenas pela pobreza e pela desigualdade. Trabalhamos com a idéia de um modelo de complexidade. Levamos em conta vários elementos que se arranjam de uma determinada forma que acabam provocando essa combustão. Estamos falando apenas que a pobreza, só, não explica o fenômeno. É bom lembrar que esse é um fenômeno que aparece na década de 70. Não é verdade dizer que isso surgiu somente agora. Ao determinar a pobreza como causa da violência, estamos dando um peso que ela não tem e facilitando a criminalização dos pobres, porque leva à conclusão de que são eles os criminosos. Isso justificaria o fato de termos 90% de pobres entre nossos prisioneiros, quando sabemos que há juízes, banqueiros, comerciantes, deputados, senadores e governantes envolvidos no mundo da atividade criminosa.

Folha - Mas a existência de um contingente grande de jovens pobres que convivem diariamente com a desigualdade não é um fator que facilita a entrada deles no tráfico de drogas?
Zaluar - Não estamos dizendo que a pobreza e a desigualdade não têm nada a ver com o problema. Há várias pesquisas que mostram que os Estados mais pobres do Brasil são também os menos violentos. Londrina é uma cidade riquíssima para os padrões brasileiros, mas é violenta. Campinas também. Nos Estados, percebe-se também que os municípios mais pobres são menos violentos. Uma parte da explicação dessa questão está no fato de as regiões metropolitanas atraírem mais imigrantes. Essa concentração de muita gente nessas regiões sem emprego e sem alternativa facilita a atração para as atividades do tráfico. Mas não são todos os que são atraídos, e é aí que está o mistério. Se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí.

Folha - E o que seria esse algo a mais?
Zaluar - Parece-me o fato de que alguns se deixam seduzir por uma imagem da masculinidade que está associada ao uso da arma de fogo e à disposição de matar, ter dinheiro no bolso e se exibir para algumas mulheres. A partir de entrevistas que minha equipe fez com jovens traficantes, definimos isso como um etos da hipermasculinidade. Esse é um fenômeno que está sendo muito estudado nos EUA e na Europa e diz respeito a homens que têm alguma dificuldade de construir uma imagem positiva de si mesmos. Precisam da admiração ou do respeito por meio do medo imposto aos outros. Por isso se exibem com armas e demonstram crueldade diante do inimigo.


Folha - Como combater a construção dessa imagem?
Zaluar - É preciso fazer políticas públicas mais eficientes e focadas nos jovens que estão nessa fase difícil da adolescência, para que eles possam construir uma imagem civilizada de homem, que tenha orgulho de conter a sua violência e respeitar o adversário, competindo segundo as regras estabelecidas, como acontece nas competições esportivas e na disputa dos desfiles de escolas de samba. No último capítulo do meu novo livro, eu relato a experiência que tentei desenvolver em escolas públicas do Rio. Conseguimos ter resultados positivos ao desenvolver o projeto Mediadores da Paz, que tentava mostrar aos jovens a importância de negociar os conflitos por meio das palavras e como isso podia trazer para eles respeito próprio e das outras pessoas. Nesse projeto, incentivávamos jovens a mediar conflitos entre colegas.

Folha - A senhora faz duras críticas ao livro e ao filme "Cidade de Deus", mas eles não retratam bem essa questão da construção do etos da hipermasculinidade?
Zaluar - O Zé Pequeno [um dos principais personagens do filme] seria um exemplo dessa hipermasculinidade, mas, na minha opinião, o problema de "Cidade de Deus" é muito mais sério. Em primeiro lugar, o Paulo Lins fez o livro sem consultar as pessoas envolvidas. A pesquisa acadêmica é uma coisa séria. Eu emprestei a ele toda a pesquisa que fizemos na Cidade de Deus. Esse material tinha o depoimento do único sobrevivente da guerra [entre traficantes] retratada no filme, que é o Ailton Batata, que aparece no romance com o nome de Sandro Cenoura. Além disso, há uma série de impropriedades no romance. Nunca existiu, por exemplo, aquele bando de meninos ainda com dente de leite dando tiro nas pessoas. Isso é mentira, e é muito sério porque cria uma imagem sobre as crianças que vivem nesses locais que não é verdadeira. A própria história do Zé Pequeno é contada como se ele já tivesse nascido ruim. É uma volta à teoria do criminoso nato, que, do ponto de vista da criminologia, já está completamente superada.

Folha - Como a senhora vê a forma como a imprensa tem tratado a questão da violência urbana?
Zaluar - Estou menos preocupada hoje do que já estive. Já não vejo mais tantas fotos de traficantes e de matadores colocadas nas primeiras páginas dos jornais com destaque enorme. Isso dá fama a essas pessoas e é mais uma atração para os jovens em busca dessa fama. Os traficantes já são conhecidos pela sua dureza, mas, quando a foto deles aparece nos jornais, isso contribui mais ainda para essa fama. Infelizmente, os jornais ainda continuam dando nomes, o que contribui para a permanência do círculo vicioso de atração dos jovens.

Folha - A senhora é uma das especialistas mais procuradas pelos jornalistas para comentar casos de violência. Os jornais não acabam falando sempre com os mesmos especialistas?
Zaluar - Recentemente, fui procurada para comentar a rebelião em Benfica [que resultou na morte de 30 detentos e de um agente penitenciário na casa de custódia da zona norte do Rio, em maio]. Disse ao jornalista que não sabia nada sobre esse assunto e indiquei outros especialistas. Quase sempre aparecem as mesmas pessoas nos jornais. Em alguns casos, é gente que entende muito pouco do assunto e diz qualquer coisa só para aparecer. Isso acaba alimentando essa "Darlene" que existe dentro dos intelectuais. Tem que haver seriedade no tratamento dessa questão.




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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PAUTAS DE OUTUBRO

LAPINHA/ LIBERDADE
Jordan - Feira do Japão
Priscila - Plano Inclinado


SÃO CRISTOVÃO
Priscila - Feira
Liz - Urbanização
Rachel - Escola Parque São Cristovão


RIO VERMELHO
Talita - Ceasa
Claudiana - Rio Camurugipe


CASTELO BRANCO
Ivani - Violência
Ísis - Escola Raimundo Gouveia
Aricelma - Acarajé da Mina


BAIXA DOS SAPATEIROS
Lucas - Transporte
Viviane - Moradores


PLATAFORMA
Artur - Igreja
Monique - Rádio comunitária
Lívia - Posto saúde


ORLA
Fagner - Barracas GLS / Boca do Rio

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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Narrativas

Dando uma informação

Luís Ricardo Lima Barbosa

Cansado de esperar meu primo em meu apartamento, resolvi ir até a portaria do meu prédio, para poder ficar conversando com o porteiro, que é muito meu amigo e também, porque eu estava sozinho, e detesto ficar sozinho. Desci o elevador fazendo careta para a câmera de segurança, abri a porta e já sai gritando: “ Cole Luizão”, e ele já rebateu de cara: “ E aí meu brother”.
Em meio a nossa conversa corriqueira e as diversas piadas que fizemos a pessoas que passavam no local, ouvi uma buzina, e pensando que era o meu primo que já estava 50 minutos atrasado, pedi para que Luis abrisse a porta do prédio e já xingando reparei que aquele carro não era o do meu primo e sim uma pajero preta. Com vidros escuros percebi que tinha uma mulher de cabelos pretos e de óculos escuros dentro, que com gestos de mão me chamava insistentemente. Resolvi ir e ver o que aquela misteriosa mulher queria, querendo. Ela baixou o vidro e levei um susto, meu coração palpitou, eu meio que tremi e esbocei um sorriso discreto. Não eu não estava apaixonado. A tal mulher misteriosa era nada mais nada menos que Ivete Sangalo, a cantora. Com uma voz rouca e baixa ela me perguntou:
_ Bom dia! Essa aqui é a rua Arthur de Azevedo? Falou Ivete com uma voz rouca e baixa.
_ Sim, é essa aqui mesmo. Respondi meio nervoso.
_ Ok, e onde fica o sistema Fieb aqui?
_ Fica loco aqui em frente.
_ Ah! Então onde fica a portaria do Ed. Piazza?
_ Fica ali atrás, você tem que dar a volta e parar ali do outro lado.
_ Obrigado meu lindo. Falou Ivete fechando o virdo e arrancando com o carro.
Voltei feliz para contar o acontecido a Luiz, que já estava de butuca pela fresta da janela da portaria. E Falou: “ Que gata hein meu irmão”.
E eu repondi todo feliz: “ Era Ivetinha”.
Meu primo chegou e eu o contei o acontecido. Essa história se repetiu por mais trezentas vezes, pois a contei para todas as pessoas que se aproximavam de mim.





Viviane Damasceno Santos


Noite de véspera de feriado de São João enfrentei uma turbulenta viagem rumo à Alagoinhas. A rodoviária era um caos. Ônibus atrasados, passageiros tocando fogos em meio a população, pessoas bebendo, outras discutindo e inúmeras outras desgastadas de tanto esperar.
Sai antecipada de casa e com passagens compradas desde o dia anterior. Todo o cuidado se torna pouco quando o assunto é viajar no período do ano mais movimentado rumo aos interiores da Bahia. De nada adiantou. Chegando lá as 16:45 da tarde e com passagens para 17:30, sai de Salvador 21:50 e só cheguei em Alagoinhas meia noite.
Sem mais nenhum ônibus em circulação, a rua só tinha o porteiro de farda azul piscina, pançudo, com bigodão e outros “perdidos” como nós duas saindo da rodoviária de Alagoinhas. A cidade numa temperatura de 14°C, convenci minha mãe que a melhor escolha era pegar moto-taxi. Foram uns vinte minutos só de discussão. Ela que teme passeio de moto se mostrou irredutível. Com a testa franzina e ar de estressada repetiu inúmeras vezes que preferia ir de táxi ou pedir pra alguém nos buscar, já eu, apaixonada por motos e louca por aventuras, não hesitei em dá como única opção para nós, minha chance de cortar a neblina da madrugada que cobria aquela cidade pequena que se encontra entre serras. Enfatizei que a gente já iria importunar ao chegar tarde, imagina então se pedíssemos para alguém nos buscar. Ela como odeia incomodar, aceitou.
Fomos. Enquanto eu curtia e também congelava, minha mãe nada satisfeita e com medo, por pouco partiu o motoqueiro magrinho em dois de tanto apertar. Chegando lá na casa de parentes, ela já entrou resmungando do que tinha acontecido na Rodoviária e o que isso ocasionou: Ela, uma senhora de 57 anos, se prestando a isso, andar de moto num frio de “rachar”. Nem ela mesmo deve ter acreditado que foi capaz de ir, mas a sensação de andar de moto é inexplicável que supera qualquer medo. Depois que a tensão dela passou, ela até riu por canto de boca sobre o episódio, o que me fez crê, de que ela entendeu o sabor implacável da liberdade, mesmo que por uns minutos.




Nostalgia

Claudiana Silva


­-Lero-lero? Ah minha filha, era uma grande folia, foi criado por meus parentes mais antigo, acontecia todo...
- Não mãe deixa que eu falo, ara assim: no início, era pequeno, o desfile começava aqui na Vila Matos, tínhamos carroças, rainha, princesa...
- É elas eram escolhidas no dia da festa o por votação,
-Não mãe, quem escolhia eram os comerciantes que patrocinavam o bloco...
Um vizinho passa ouve a conversa e acrescenta: - grande, grande festa, o lero-lero era a sensação do Rio vermelho no 2 de fevereiro. Homens vestidos de mulher saiam todos pintados, o povo vinha de longe assistir...
Novamente a filha de D.Ainá interrompe: - hoje não, a rainha é escolhida no dia da festa e quem quiser participar é só pagar o carnê, bem baratinho, pode ser homem, mulher, criança... Todo mundo.
Vendo aquela algazarra de bocas frenéticas seu João decide se aproximar.
- O que? O lero? Ah, Tinha aquele sambinha, como era mesmo... E começa a cantar, o vizinho achando pouco, decide acompanha seu João na música, a filha de D Ainá continua, ou tenta continuar.
- olhe, funcionava assim como estou lhe falando, hoje as coisas estão diferente...
Neste momento todos ou quase todos já estão numa rodinha sambando e cantando às músicas do bloco, menos a filha de D. Ainá que me cutuca e insiste:
- É como uma prestação, você recebe o carnê e vai pagando todo mês, no dia da festa ela ganha a camisa...




A mesa ao lado

Rachel


O bar não tinha nome, nenhuma placa, só quem via o cardápio descobria se tratar de uma casa de crepes.
Sozinhas, as duas estavam sentadas à mesa, sentiam frio. Uma ainda vestia o abadá da festa em que todos estávamos horas antes, a outra deve ter passado em casa para se arrumar: seus cabelos estavam molhados, a roupa limpa, não tinha pensado, porém, em pegar um agasalho.
Passei a analisá-las.Quando não estavam batendo os queixos e esfregando as mãos discutiam animadamente os resultados da festa daquela tarde, e dividiam um único crepe, que pelo aspecto, era de frango com catupiry.
Foram abordadas por dois rapazotes. Eles se apresentaram e antes que elas pudessem esboçar qualquer vontade cada um deles escolheu uma preferida e se sentou ao lado.
As tentativas eram intermináveis. Ofereceram bebidas, tiraram a blusa do próprio corpo para aquecê-las, discursavam sobre o carro que possuíam, a casa em que moravam e seus bens materiais.
Não estavam agradando. Elas começavam a soltar frases que para eles significava a derrota “estou cansada”, “acho que já estamos indo”.
No desespero: Apelaram.
Declarações de amor eterno, mais bebidas, repetiam falas cheias de bordados que em geral reforçavam o quanto elas eram bonitas, inteligentes,maravilhosas indispensáveis.
Ainda assim não convenceram.
Uma delas tomou a iniciativa. Levantou-se de súbito, olhou para amiga e disse com firmeza: “Vamos?”. E elas foram.
Na mesa ao lado restaram dois rapazes, sem blusas que se entreolharam e trocaram, decepcionados um breve diálogo.
- É a do dedão não deu brecha mesmo.
- Nem me fala, pior foi eu não ter pego a gostosinha. Pior foi isso!




Lucas Rocha

Era início de mês e a fila do banco estava gigantesca por causa do pagamento dos aposentados. Todos estavam insatisfeitos naquela única agência da cidade de Palmas de Monte Alto, no interior do estado da Bahia, e começam a reclamar da demora no atendimento. Então, o pior aconteceu: o dinheiro acabou. A revolta das pessoas tornava-se maior a cada minuto. Neste momento, um funcionário demasiadamente nutrido pede às pessoas que forem efetuar depósito que vão direto à boca do caixa. Um jovem e inteligente garoto acabava de entrar no banco e ouvira as palavras do funcionário, indo assim direto à boca do caixa. Uma senhora desaforada saiu de seu lugar e foi reclamar com o inocente garoto.
- Meu querido, se você não sabe o final da fila é ali!- apontando para o fim da fila com o dedo indicador.
- Minha senhora, se eu quisesse informação pediria ao guarda, mas muito obrigado pela gentileza!- respondeu o garoto.
Depois disso a idosa começa a reclamar da juventude, junto a todos os seus amigos da mesma faixa etária. Porém o garoto venceu e saiu do banco sem demora, enquanto as outras pessoas continuam na espera.



O ônibus estava cheio como de costume. Não havia um dia em que o Brotas encontrava-se com lugares vagos para se sentar quando chegava ao ponto do Teatro Castro Alves no horário das 19h. Uma senhora magra e de idade avançada entra pela frente e encontra sentado no lugar que lhe é de direito por lei, um garoto de aparência juvenil. Ela começa a reclamar da situação de ela em pé e o garoto sentado.
- Parece que a mãe desses jovens não estão sabendo educá-los não. Esses moleques não respeitam ninguém, este lugar que é reservado para idoso, gestante e deficiente deveria ter um dos três sentados.
Neste momento o garoto levanta-se arrastando sua perna direita. E sede seu lugar para a idosa. Ela, constrangida, se desculpa e pede ao garoto que sente, recebendo como resposta.
-Não, obrigado, mas minha mãe me deu educação.




Priscila Alves Fontes Bastos


Em plena manhã de Sol no final de linha Sieiro há uma senhora que chega cedo para se reunir com amigas para culto na igreja ou algo deste tipo. Sempre com a sua bíblia na mão e muito animada. É possível avistar ao longe um homem de óculos escuros, que sempre está com estes óculos por sensibilidade a luz. Este já chega com muita descontração cumprimentado a senhora que parece mesmo ter simpatizado com ele.
Ao sentar ao lado dela eles começam a conversar e ele pergunta: “A senhora é feliz?”. Já conhecendo as brincadeiras dele a senhora se desmonta na risada e todos ao redor também.
Brian, como é conhecido, tira os papéis da mochila e começa a cantar, músicas antigas, mas que por sinal agrada a senhora, ela diz que com estas músicas lembra do seu primeiro namorado. Brian canta ocasionando mais risos no ambiente. Depois de muita cantoria Brian começa a folhear uma revista.
A senhora agora começa a falar de sua filha, que não tinha muita paciência e batia muito na menina! E agora vê a cena se repetir com a sua neta. Acha errado, mas nem se vê no direito de reclamar.
Brian relata que também apanhou muito quando criança, que tinha muitos irmãos e sempre pagava pelo erro dos outros.
A conversa se estende e sem notar a senhora acaba falando agora do seu pai, que ela gostava muito dele, apesar dele ser muito mulherengo. Conta que quando tinha oito anos foi levar café na vendinha do seu pai e lá estava ele com outra mulher. Assustada deixou o café no balcão e saiu correndo. Chegou em casa aos prantos, quando a mãe perguntou o motivo do choro ela disse que era dor de dente, mas como seu pai chegou em seguida, apesar de não declarar o real motivo, sua mãe percebeu. O tempo passou, seu pai faleceu e apesar disto ela declara gostar muito dele.
Brian atento a história, em seguida diz que o seu pai também era assim, desanimando a quem prestava atenção na conversa.
A senhora diz que já soube de muitos casos, mas que nunca falava aos envolvidos.
Engraçado mesmo foi quando ela contou que uma conhecida fez uma vaquinha com a família para tirar o marido da prisão, que ele prometeu ser fiel, mas quando saiu da prisão esqueceu da promessa.
Um senhor moreno, com uma voz firme presta atenção na conversa e acaba declarando que no interior que ele morava rolava até facada, conseguido uma gargalhada de Brian.
Falando do interior a senhora descobre que tem conhecidos lá também e que trabalhou no mesmo local que este homem.
Continuam a conversar e ele fala o nome de várias pessoas deste tal interior, mas a senhora o desaponta, todas as pessoas ela diz que já morreram, apesar das notícias de tristesa é possível rir muito da situação.




Aricelma Araújo dos Santos


Tudo aconteceu numa manhã de domingo,do mês de agosto. ,tempo chuvoso, com um guarda chuva, cheguei à feirinha de Castelo Branco por volta das 5h da manhã, objetivava ver o processo da montagem das barracas e encontrar logo com os feirantes para colher certas informações. Apesar de ainda ser muito cedo, algumas barracas já estavam sendo armadas. Caminhando pela rua, avistei algumas pessoas chegando com seu produtos, carros estacionados, estruturas de barracas espalhadas pelo chão, lonas, caixotes, pessoas idosas, crianças, jovens, gente de todo tipo.
Continuei caminhando, avistei um rapaz, funcionário da Vega, empresa responsável por fazer a limpeza da feira, ele contou que trabalha das 7h às 15h20, fazendo a varrição e a junção do lixo.
Mais adiante encontro uma barraca vendendo café, bolo, salgados, doce em geral,era a barraca de dona Maria, muitas pessoas aglomeravam-se à sua volta, todos ali pareciam estar famintos, eram pessoas que haviam acordado muito cedo para armar suas barracas. Continuei a caminhada, já era 6h30 da manhã, já dava para ouvir: “Olha o CD, um é R$ 3, dois 2 é R$ 5”. As pessoas ali já gritavam bem de voz alta para chamar a atenção dos fregueses que aos poucos iam chegando. Sempre ouvia: “ Ô tia, vem cá tia, olha o abacaxi, hoje é promoção, é pra vender barato”. Muitos riam, até eu mesma ria da maneira como gritavam. Fui caminhando, conversando com algumas pessoas sobre a feira, encontro uma senhora chamada Joaquina que ria bastante, não queria falar, dizia está com vergonha, conversamos um pouco,e logo seguir o caminho, não fazia noção do que esperava por mim do outro lado da rua.
Parei para beber uma água e logo escuto: “ Oie eu, Oie eu, Oie eu”. É a voz de dona Marilene, senhora de idade,morena, de um metro e sessenta de altura, cabelos castanhos, de avental, feirante há mais de 10 anos, gente muito boa, que mesmo com a boca cheia não parava de gritar, de chamar os fregueses: “ Olha a goiaba, olha o abacaxi, tudo aqui é promoção, venha, venha, meu povão”. Feliz da vida conversou comigo, muito atenciosa, me contou sua história de vida na feira. Enquanto conversávamos, percebia que tudo que estava falando era muito importante. Ouvi dela muitas coisas que queria saber.
A conversa não parava, entre fregueses e outro, ouvia Marilene falar “ Diga aí meu lindo, meu amor, como vai, vai levar o que hoje”? Seguimos a conversa, ela era muito divertida, do seu lado não fiquei sem rir um minuto.
Confesso, Marilene foi para mim uma pessoa muito importante, alguém que mereceu ganhar destaque em meu texto. Pois além de ser muito gente boa comigo foi que me ajudou a desvendar informações das quais eu queria.




Priscila Silva Rodrigues

Era o último dia do prazo para aqueles que tinham que fazer o título de eleitor no fórum da cidade de Lauro de Freitas. A fila formava um caracol gigantesco que dava medo só de olhar. Eu, que sou impaciente por natureza, não fiquei nada feliz com a perspectiva de ter que passar o meu dia ali, olhando para aquelas pessoas e para aquele estacionamento. Eu via os carros estacionados e pensava de quem seriam. Imaginei milhares de situações e donos para os carros. Promotores, juízes, advogados e servidores públicos, todos sentados em salas especiais, no friozinho de condicionadores de ar ligados a todo vapor e com pilhas de papéis que poderiam esperar qualquer conversa trivial que estivessem tendo ao telefone.
Era angustiante pensar no fato de aquela fila tomar proporções tão grandes e do lado de dentro do fórum muitas pessoas não darem a mínima para os malucos de última hora que cansados, só esperavam o momento que o zelador do prédio chamaria para entrar. Eu não fazia idéia ainda dos momentos seguintes e tão longos que torturariam cada músculo do meu corpo naquele dia.
Meu humor piorava a cada segundo e eu não tinha noção de quanto tempo aquela fila iria continuar parada. Cada rosto que eu observava eu podia perceber uma atmosfera obscura de pensamentos alheios a toda aquela situação. Será que todos que estavam ali estavam presos a seus pensamentos distantes de tudo aquilo ou estavam apenas observando o tempo como eu? Observava pausadamente cada posição de cada pessoa distribuídas uma atrás das outras na fila. Tá certo que fila de povão em Brasil, como já diriam os mais desacreditados não funciona, mas eu não podia permitir que nenhum espertinho de plantão furasse o bloqueio do bom senso e retardasse o meu momento de ser atendida.
O tempo passava se arrastando como a areia da praia em uma tarde de brisa leve. Sereno e paciente, diferente de mim que estava a ponto de explodir meu redemoinho de emoções contrárias e subversivas. A resignação dos fracos e sublimes não é uma característica minha portanto eu somente esperava alguém cometer um deslize para poder me apoderar de tentáculos e liberar toda aquela energia presa em meu ser.
Já no final de daquela tarde interminável alguém finalmente fez aquilo que eu tanto temia. Perto da minha vez de ser atendida descobri que uma daquelas pessoas que eu observara atentamente durante toda tarde havia penetrado como quem não quer nada a fila na minha frente, na verdade, umas cinco pessoas na minha frente. Esse foi o pontapé inicial para eu desatar toda a cidadã que existia em mim e exigir meus direitos perante todas aquelas pessoas, de todos os tipos que alguém puder imaginar. Aí, essa parte exigiria um outro texto. Um texto mais furioso e sisudo do que as mentes mais complexas poderiam imaginar. Liberei todos os meus instintos de defesa. Encontrei a cidadã que existia em mim.




Ricardo Follador


Domingo.Dia de jogo do Bahia, mas uma ida a fonte nova, para tomar umas cervejas com os amigos, distrair um pouco, relaxar. O jogo está marcado para as 17h, chego lá por volta das 14h 30 para curtir a “Kombi do reggae”, um local tradicional do Estádio. Lá os torcedores comentam sobre o jogo, a escalação,os acontecimentos,enfim, perturbação total,sem faltar o essencial a cervejinha do domingo. Estou com meu irmão resenhando, perto de um isopor de cerveja e ao nosso lado percebo uma movimentação meio estranha. Era um grupo de torcedores perturbando á um anão que curtia seu domingo como todos. Percebi que enquanto o abusavam, ele não comia cheiro e partia para cima de todos,o que me chamou mais atenção e das pessoas que estavam ao redor. Ele ia em cima das pessoas e apertava seus membros inferiores, deixando a pessoa encabulada. Aos poucos alguns se juntavam na perturbação e o anãozinho não sabia mais em quem ir para cima, e como ele estava meio bêbado começou a rodar procurando as pessoas, pois se formou uma roda e acabou caindo, o que fez a galera rir ainda mais. O que eu acho interessante é que o “infeliz” estava gostando da zuação em cima dele e saiu do local dando risada da situação. Apesar de toda a perturbação achei interessante esse fato, pois acredito que este está acostumado com esse tipo de situação e deve se sentir mal ser zombado em todo lugar que freqüenta.

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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Só o groove salva!

Sábado, Nordeste de Amaralina. Na laje, Quilombo Vivo grava seu primeiro CD de hiphop+afro+baiano.

Carla Bittencourt


-Silêncio na laje! Gravando!
A ordem vem de Gilberto Monte [tara_code], produtor musical do primeiro disco do Quilombo Vivo. Sentado na frente de um computador, fone no ouvido, Gilberto organiza na sua máquina o afro-hip-hop que vem de três canais: as pick ups de DJ Bandido e o verbo dos MCs Juno e Jacó. É sábado, fim da manhã. Começa a gravação no Nordeste de Amaralina. Ao invés de ar condicionado e isolamento acústico, temos sol forte, grito de menino jogando bola, buzina de carro, ronco de avião, cheiro de maresia. Estamos na rua Professor Luis Barrero, laje da casa dos irmãos Juno e Bandido.

Se é ali que nasce a batida deles, nada mais natural do que ser esse o lugar escolhido para colocar o som do Quilombo Vivo dentro de um disco, certo? A idéia veio da Eletrocooperativa*, ONG de Salvador que faz inclusão digital usando música: "Essas interferências é que são o som de Amaralina. Se alguém contar um fuxico aqui, vai todo mundo ficar sabendo", brinca Gilberto. Além do disco [que sem muitas promessas deve sair em julho], são gravados dois videoclipes: "O Valor da Liberdade" e "Canalizando o Ódio". Reinaldo Pamponet, coordenador geral da Eletrocooperativa reforça: "o esquemão fonográfico passa batido".
A escadinha para chegar na laje dá um frio na barriga. Não é alto nem nada, mas é melhor não vacilar. Na mesa de DJ Bandido, vinis das antigas de Gerônimo, Ilê Aiyê e Araketu reafirmam as referências baianas que estão na base do som que a Quilombo faz há cinco anos. Tem também o disco evangélico "A Última Trombeta", relíquia do tempo que o nome do mercado era Paes Mendonça e que vira um senhor sampler na faixa "Forca". Bandido manda tão bem que vai ser o único representante da Bahia no Red Bull Hip Hop Rua, festival que espera juntar 50mil pessoas em Porto Alegre no começo de junho.

Juno e Jacó a postos nos microfones. Ao redor, um varal improvisado estende camisetas com o rosto de Zumbi, Che Guevara e o símbolo da capoeira de mestre Bimba. Ícones de resistência e luta que também vão tatuados nos braços dos caras. Entre uma música e outra [ainda aquecendo] Juno conta que sua mãe já treinou capoeira com ele. E que a influência dos bolachões foi obra de seu pai, que fazia todos os 14 filhos em casa prestarem atenção na música.


Churrasco, cerveja e mais som

O clima é família, com direito a sobrinha pequena, cachorro na telha de eternit, amigo que chega para engrossar o coro, namoradinha que vem assistir. Dali de cima, os tijolos do Nordeste de Amaralina ganham outra perspectiva. Aquela música é a voz da periferia, que contamina os vizinhos e ecoa no asfalto. O recado deles, como diz uma das letras, é mais do que um grito - é um tapão no pé do ouvido. E quem bate é o hip hop* [ritmo, poesia, break, grafite, atitude cidadã, estilo de vida] que veio dos guetos dos EUA e ganhou jeito brasileiro nas quebradas daqui.

Mais gente chega na laje, o sol dá uma trégua. Uma folha de jornal colocada ao lado dos discos exibe o cotidiano violento no Nordeste de Amaralina, periferia que sofre com as rixas entre traficantes, com o preconceito estampado nas caras do asfalto, a falta de emprego, a escola ruim, a falta de opção mínima de lazer. É uma real política, que o Quilombo Vivo dá de forma bem direta e com estilo próprio. Eles descobriram como andar pela contramão.

Bandido: "Esse disco marca a nova fase do Quilombo Vivo. Estamos nos profissionalizando, saindo do obscuro, mas a levada continua a mesma". O que significa: tambor, pegada de funk americano, bloco afro e linguagem local. "O tambor da Bahia perdeu muito da sua força com essa massificação do axé e do pagode. A gente quer justamente resgatar essa batida", completa o DJ mostrando groove para deixar de cara quem pensa que hip hop é só dedo apontado e letra nervosa.

O headfone passa de mão em mão para mostrar o que já foi gravado. A essa altura, já está rolando o maior churrasco. A fumaça vai na estética do filme. Já são quase cinco da tarde e o clima tímido do começo se rendeu faz tempo. Tem pelo menos sete pessoas na laje gritando "bota a mão pra cima". A gravação ainda vai dar muito trampo, mas está na hora de descer. Agora, é esperar junho para sentir o resultado.

Não custa repetir - O hip hop é uma forte expressão cultural, jovem e urbana. Reúne basicamente três elementos: o rap, o break e o grafite. Surgiu nos guetos de Nova Yorque [Estados Unidos] na década de 70 e chegou ao Brasil no finzinho dos anos 80. De raiz periférica, o hip hop também é um estilo de vida, a maneira encontrada pelos negros, latinos e outros excluídos de cutucar as injustiças do sistema.

A Eletrocooperativa [rua João de Deus, 34, Pelourinho] é uma ONG novinha que trabalha inclusão digital através da música, atendendo principalmente garotos que já trabalham percussão em blocos afro da cidade. DJ Bandido, que dá oficinas de hip hop dá seu recado: "A música coloca esses meninos em contato com o mundo digital".

(A Tarde, 13/05/2004)

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Gafieira do viaduto

O brega, a dor-de-cotovelo, a fugacidade de paixões ocasionais compõem seresta de rua

Pablo Reis

Há um olhar intenso, cortante, algo da vibração sutil e invisível que se estabelece no espaço entre um homem e uma mulher quando a sedução entra em jogo. Há um encontro de corpos, a combinação delicada das anatomias. Há os primeiros passos de dança, suaves, ritmados, complementares, os pés traspassados, o molejo contido de quadris, os braços sobre ombros, as mãos tocando a região lombar da dama, os sussurros entremeados de sorrisos. Há, acima de tudo, a promessa tácita de uma noite de diversão particular em um local mais reservado. Mas também há o ronco do motor do ônibus "T. França", passando a menos de três metros de distância do entretido casal, cortando o clima de fascínio mútuo, retirando as almas do Éden lúbrico em que se encontram para a realidade pouco romântica feita em asfalto e com cheiro de óleo diesel.

Há uma seresta, recorrente, concorrida, animada, concerto ao ar livre para a patuléia. Com o rótulo de uma pequena tradição de fim de semana, recebe o nome de Seresta do Pedrinho, mas o nome é o que menos importa porque nem os clientes mais assíduos são capazes de identificar esse batismo. O endereço é que toca fundo no coração dos freqüentadores. Fica na Baixa dos Pernambués, armada no estacionamento da Madeireira Brotas. E, coberta de um cenário onde o surreal e o concreto parecem se misturar em uma valsa do absurdo e do mundano, localiza-se praticamente embaixo do Viaduto dos Rodoviários. Sábado, 22h30. Logo depois de terem o enlace prejudicado pelo ronco de um ônibus menos sensível aos humores dos enamorados, Carlos e Suzete voltam para uma mesa, pedem mais uma cerveja e gargalham em uma conversa cheia de beijos no pescoço e mãos maliciosas. Nem parecem que estão cercados por 400 pessoas e a ponto de gritar para superar o volume dos alto-falantes. "Ah, eu adoro amar você/ Como eu te quero, eu jamais vi/ Você me faz sonhar/ Me faz realizar/ Me faz crescer, me faz feliz".

Dores da alma

Não é exatamente uma seresta, no sentido de reabilitação do gênero que notabilizou cantores como Francisco Alves e Orlando Silva. O repertório é composto por sucessos da música brega e romântica de pouca monta poética, imediatamente associados a estados da alma tão freqüentes, como a dor-de-cotovelo, as traições, os amores não correspondidos e até mesmo a angústia por um telefone que não toca. O som é comandado por Ricardo, mas não um Ricardo qualquer. É comandado por Ricardo e Seus Teclados, uma parceria que tem dado resultados a ponto de ele assinar um contrato de exclusividade com os donos do bar, atendendo exigências do público. "Aqui vem motorista, cobrador, comerciante, professor, empresário, empregada doméstica. Dá mais casais, só que quem vem desacompanhado sempre encontra um par", sugere Márcio Silva, o proprietário. Tudo ninado pela mais melodiosa performance de Ricardo. E dos teclados dele também, é claro. "Ah, eu te peço Senhor/Traz de volta esse amor/Senhor, está perto o meu fim/Eu te peço meu Deus/Tenha pena de mim".

Um rapaz com cabeça raspada aborda três garotas próximas ao telefone público do Restaurante May e Nay (o nome do local da seresta durante o dia). Com segundos de conversa já está dançando com uma. Mais uns minutos e as três estão na mesa. Uma delas usa gorro do Palmeiras e, para provar que não sente frio, veste um shortinho de cinco dedos de largura. Usando camisa pólo, por dentro da bermuda de surfista, meia soquete branca e tênis Nika, o careca não é exatamente a melhor tradução para um modelo casual chic dos editoriais de moda. Mesmo assim será identificado como "O Barão".

O Barão "manda descer", uma gíria que indica não haver incompatibilidade entre o futuro valor da conta e o desejo de diversão do anfitrião. E como se realmente fossem o maná caindo dos céus, brotam garrafas de cerveja (R$2,20), caldos de sururu (R$2,50), pratos de carne-de-sol, frango à passarinha (entre R$5 e R$7). Quase que instantaneamente, mais duas mulheres se unem ao grupo e agora O Barão é uma ilha de empolgação cercada de avidez gastronômica por todos os lados. Em troca, ele ganha o privilégio de um quíntuplo rodízio entre as parceiras de dança, uma seresta cada vez mais colada e intensa. E ele, que de bobo parece ter só a mão direita, dança com a garra bem espalmada na zona coccigeana da parceira, para deleite de voyeurs menos perdulários. "A verdade é uma só", inicia Eliana Matos Tanajura, mulher do proprietário, "a gente dá oportunidade de diversão para esta classe média. Eles não podem ir para um Casquinha de Siri, Katendê, curtem por aqui mesmo. A gente passa para eles o prazer da vida. É só alegria". Nessa socialização do entretenimento, espécie de esboço para um projeto Tédio Zero, ela vende entre 150 e 200 caixas de cerveja por fim de semana.

Contramão

Na noite agitada de sábado, quando o fluxo de carros aponta para os bares da orla, é no aconchego da proximidade de um ponto de coletivo que pedestres originários de bairros populares empreendem sua balada. Chegam a ocupar uma faixa da pista, tamanha a concentração de pessoas interessadas na curtição. E entre os ônibus que passam a poucos metros de distância (com passageiros esgueirando-se nas janelas para olhar o movimento), os boêmios dançam suas alegrias e tristezas.

"Pior que tudo isso é te perder/ Ter que chorar, ter que sofrer/ Pra aprender então a dar valor/ A um grande amor". Ricardo, com a voz chorosa dos que sofrem por amor e sabem incorporar a letra de uma música, leva os casais e os solitários ao delírio. É ídolo. Simultaneamente, no Aeroclube Plaza Show, um dos destinos prediletos de uma outra classe média (a que tem condições de pagar quase R$8 por um combinado de pão com hambúrguer e picles, um copo de refrigerante e fritas) todo o estacionamento está lotado de carros para um público que prestigia o Festival de Rua. O grupo Barravento, com um samba-de-roda que já percorreu festivais de Ferrara, Vicky, Marseille, Paris e Londres, coloca curiosos para dançar o "miudinho", característico da região de Mutá e Salinas da Margarida. Depois, é remunerado com o depósito de algumas cédulas e moedas em um chapéu no meio da roda e com a venda de cópias do CD Vatapá de véia, a R$12. Uma arrecadação que vai ser rateada por seis integrantes.

Sem precisar pagar um tostão aos eficazes teclados, Ricardo recebe R$100 por apresentação na "gafieira do viaduto". Na sexta, o som ao vivo é das 20h à 1h, no sábado, das 21h30 às 4h, e no domingo, das 20h às 23h30. Só precisa destinar uma parte da remuneração ao companheiro Neto, que assume como vocalista em determinados momentos. "Já fizemos shows até no Rei da Codorna e na Cabana do Mané", vibra Neto, como um artista relatando uma apresentação na casa de espetáculos nova-iorquina Carnegie Hall. Mas o orgulho mesmo é tocar na seresta viária. "São pessoas legais, apesar de morarem na periferia. Não há violência", alega. Ex-vocalista de uma banda de pagode chamada Zuêra, ele garante que não se arrependeu de sair de "um grupo que vai deslanchar". Ídolo até entre os pares, Ricardo, 22 anos, com cabelos descoloridos e vestido em branco encardido, não quer fazer sucesso às custas de pagode, funk, axé, rumba. Quer ser reconhecido pela seresta. "Minha carreira tem três anos, dois meses e 17 dias". Uma trajetória com dois pontos altos: um cantando no reveillon em Vila de Abrantes ("só tinha gente de posses"), outro concedendo a entrevista. Como se fora um puxador de bloco adentrando o circuito oficial do Carnaval, com todos os holofotes no Campo Grande, retribui, durante uma canção, a gratidão de falar à imprensa sobre a carreira: "Um abraço para essa galera massa do Correio da Bahia". A platéia, enganchada em si mesma, nem percebe o primor de merchandising.


Vila do prazer
Prelúdio de encontros calientes, a seresta serve de apoio para a indústria dos motéis da região

Savage, Scorpius, Belo, Lord''s, Bonanza, Pirâmide, Boa Viagem, Rodoviária, Millenium, Morena, MB, Norte Ray, Minas, Max, Dallas, Resedá, Ponta Verde. A confusão de quem lê uma frase sem verbo com tantos nomes próprios estranhos deve ser semelhante à indecisão dos clientes da Baixa do Pernambués na hora de escolher o melhor ou mais acessível hotel para experimentar uma noite de pouco sono. Pois num espaço do tamanho de dois quarteirões estão mais de duas dezenas de estabelecimentos de hospedagem para usufruto rápido, o eufemismo enviesado para o que o senso comum chama de hotel de alta rotatividade.

Pólo de inúmeros abrigos para troca de prazer, vila de pequenos e baratos (em média, R$10 o pernoite) oásis afrodisíacos, a região superou tradicionais locais como o Largo 2 de Julho e a Calçada. A descoberta da vocação da área para celeiro de edificação das tendas modernas para deleite sexual é recente. Confunde-se com o nascimento da seresta. Criada há seis anos por Márcio Silva e a mulher Eliana Tanajura, depois de terem uma barraca removida pela prefeitura em ponto próximo ao Mercado Modelo, a seresta tornou-se o prelúdio ideal para os romances fugazes. E o garoto Pedrinho, filho do casal, que empresta o nome ao evento, nem sequer tem noção disso na inocência de seus 8 anos.

"No sábado à noite, quando o movimento na música ao vivo é mais intenso, todos os hotéis daqui ficam lotados", confirma a balconista Jucélia, do Bonanza, falando em nome de todos os estabelecimentos vizinhos. O fato dela atender no Bonanza com farda do Hotel Lord''s indica até uma possível cartelização. "É, o proprietário dos dois é o mesmo", admite, recusando-se a dizer o sobrenome. "O único problema de lá é a falta de segurança. Há brigas, tiros e atropelos", acusa. A proprietária Eliana rebate dizendo que o bar passou a levar uma fama injusta. "A realidade é uma só: essas coisas acontecem lá dentro no bairro e terminam usando o nome da seresta como referência. Aqui não tem nada, principalmente depois de contratarmos dois seguranças", ressalta. A reportagem do Correio da Bahia passou um total de cinco horas entre as noites e madrugadas de sexta e sábado e o máximo de violência observado foi uma reclamação por um tira-gosto em pouca quantidade. Além, é claro, de algumas violências contra o idioma em cantadas mal ou bem sucedidas.

Frases desconexas metralhadas sistematicamente no ouvido de uma pretendida são as armas do músico Deocarlos, uma espécie de decano VIP do local pela assiduidade com que experimenta os benefícios do voluptuoso ambiente. A abordagem, complementada por uma dança mais intensa e goles de cerveja, daria tão certo que no dia seguinte um revigorado Deocarlos, novamente na noite, propalaria proezas de alcova. "Ela era carioca, mulher que sabe das coisas", seria uma das poucas revelações publicáveis.

Audiência de viaduto

Cada gag, cada encontro se transforma em espetáculo atrativo. E ganha audiência dos moradores das cercanias reunidos sobre o Viaduto dos Rodoviários para assistir, atentos, às digressões da ebriedade etílica e sexual. Lá, do camarote privilegiado, todo dia tem uma história nova. Uma chuva passageira não desanima nem ameniza o calor dos corpos. Muita gente procura abrigo nos toldos, mas dois casais continuam dançando e sentindo as gotas percorrerem a pele. O cantor Ricardo interrompe o show de músicas românticas e coloca pagode para ser ouvido. Protestos. Cinco minutos depois, as nuvens vão embora e a tempestade afetiva retoma seu poder sobre a atmosfera do local, junto com o cheiro de asfalto molhado.

O operador de pá carregadeira Ricardo Cerqueira dos Santos derrama-se em eflúvios amorosos para a recém-amiga Andréia Gomes, 25 anos. Acompanhado por ela e duas colegas, divide-se em atenção e ofertas de bebidas às três. Beija Andréia e, ao se aproximar da amiga Cássia, recebe um incentivo bastante liberal da parceira original: "Beija, beija". Ele não atende aos apelos e volta ao chamego da primeira.

Andréia, dona de casa, diz que está começando a conhecer o local, apesar de aparentar estar bem à vontade para uma primeira vez. "Gosto de beber e de dançar. Só isso". E antecipa-se a qualquer pensamento maldoso que possa surgir durante a conversa. "Vou dormir só. Não vou para cama na primeira viagem", avisa, suada da dança e da bebida. Como mágica coincidência, quase produto de uma ficção ou sonoplastia de telenovela brega, o tecladista Ricardo emenda o hit Preciso ser amado, de Zezé di Camargo e Luciano: "Eu não faço amor por fazer/ Tem que ser muito mais que prazer/ Tem que ser todo dia, sem cama vazia/ No amanhecer."

Andréia pensa mesmo é no ex-marido, que se separou há um ano e três meses. "Apesar de ele ser 25 anos mais velho, ainda o amo", declara-se. O cinquentão deve ser mesmo bom de seresta para ter deixado até hoje a coreografia da paixão marcada no coração da ex-mulher, mesmo com ela alguns mililitros acima da razão.

Ricardo (não o músico, o curtidor), entre um e outro ardente encontro de lábios, não planeja um fim de noite solitário na cama, como parece acreditar Andréia. "Rapaz, não vou mentir, toda vez que venho aqui me armo com uma", gaba-se o animado projeto de don-juan. Morando vizinho em Pernambués, é freqüentador assíduo e coleciona diversas estripulias sentimentais no local. "Já peguei duas aqui na mesma noite e quando uma viu, quis brigar com a outra. Larguei foi as duas aí e me piquei", recorda, indignado. "Hoje, liguei para a federal dizendo que não ia sair, mas parece o diabo. É só chegar aqui que aparece mulher".

Assédio ao fotógrafo

Nem o repórter fotográfico do Correio escapa ao clima de reedição sem censuras do mandamento "ama ao próximo como a ti mesmo". Uma cliente pede o privilégio de que ele largue a câmera para concedê-la uma dança. Diante das sutis esquivas do fotógrafo, a moça faz chantagem sentimental. "Quer saber meu nome? Só se dançar comigo. Você não vai se arrepender", avisa, lânguida. Não adianta nem argumentar que é possível anotar o número de telefone para um contato futuro. "Na minha agenda tem tanto nome de homens que eu nem faço idéia de quem sejam". E após ser fotografada dançando, questiona: "Não vai mostrar o rosto não, né?" "Porque eu sou procurada pela polícia. Sério mesmo", complementa, sisuda. Naquela noite, a anônima seria algemada pela sedução má intencionada do músico Deocarlos, o contador de histórias.

Falar em polícia é mais do que suficiente para acionar a defesa da dona do bar. "A realidade é uma só: temos câmeras instaladas e os únicos problemas são as cenas de ciúme dos coroas que pegam mulheres bonitas, do corpão, em roupas curtas, e o pessoal não respeita", detalha Eliana Tanajura, antes de avisar sobre a abertura de uma filial da seresta na Praça Cairú, no Comércio, a partir de 27 de março. Para auxiliar nas conquistas, a vendedora de flâmulas românticas, Letícia, 14 anos, carrega sua cruz feita em canos de PVC. É um suporte de plástico em forma de "T" para pendurar dezenas de mensagens de amor com lirismo questionável, mas de eficácia comprovada. Funcionam como verdadeira flecha de cupido em certos casos. São mensagens como: "Você me ensinou o que é o amor/ Eu não choro porque você me ensinou a sorrir/ Eu não sofro porque você me ensinou a amar/ Eu não morro porque você me ensinou a viver/ Mas se um dia você me deixar eu choro, sofro/ E até morro porque a única coisa que você/ Não me ensinou foi viver sem você". Louvados sejam os deuses da poesia e do capitalismo que permitem que uma obra dessa preciosidade seja vendida por um real.

Até quem está a trabalho é afetado pela onipresente "vontade boa de se dar", como define uma música da banda de axé Jammil e uma Noites (que não está no repertório da seresta). A garçonete Vânia, por exemplo, não é liberada dos convites para uma dança e das cantadas. "São tantas que nem dá para falar", desdenha. O cantor Ricardo, como profissional aplicado, levou as coisas mais a sério. Foi entre uma música de Amado Batista e outra lamentação de José Augusto que conheceu a companheira Sheila, há três meses. Resolveram juntar as partituras e claves de sol. Só que ainda é meio difícil falar em unidos para sempre. Indagada sobre o sobrenome do príncipe encantado, Sheila raciocina, matuta, pensa mais um pouco e diz um "peraí". Vai no ouvido do artista, espera ele dar uma pausa para respiração durante a execução do sucesso Morango do Nordeste e volta com a resposta: "É Reis. Reis Mendes", vibrando como quem venceu um duelo de calouros. Se já conta três meses de relação e não sabe sequer o sobrenome que pretende herdar em um possível casamento, é sinal de que a valsa pode não ser de núpcias. A realidade é dura, mas é uma só, Sheila.

(Correio da Bahia)

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Cidade clandestina






Primeiras palafitas erguidas nos anos 40 em Alagados edificaram em Salvador uma das maiores favelas brasileiras da maré

Perla Ribeiro - pribeiro@correiodabahia.com.br


Difícil conter o espanto ao andar por ali. Com o papa João Paulo II fora assim. Alagados, aquele amontoado de tábuas e estacas, era o retrato da miséria em Salvador. Nos anos 90, abrigou mais de cem mil habitantes, entre pontes de madeira que ligavam os barracos erguidos sobre o mar. A cidade clandestina edificada nos anos 40 do século XX na Baía de Todos os Santos chegou a ser erradicada, mas deu lugar a outra igualzinha anos depois. Hoje, em tempo de palafitas quase extintas, barracos ainda flutuam nas águas da baía na Baixa de Massaranduba.


















Crueldade delicada

Cartão-postal ambíguo revela a face perversa de um mundo desigual


Ao norte da Baía de Todos os Santos uns tantos Josés, Pedros e Antônios construíram um novo cartão-postal ambíguo para Salvador. Era a cidade das palafitas. Ali, a miséria tinha formas, cores e movimento. Atraía olhares de pintores, artistas plásticos, fotógrafos e turistas que viam no cenário uma beleza exótica. Por mais fiéis que fossem as lentes, não conseguiam traduzir aquela realidade. As fotografias tinham mais colorido do que a própria vida nas palafitas. Embora a leitura das obras artísticas sinalizasse para uma denúncia social ou um grito mudo de protesto, a leveza dos traçados tornava o cenário exibido na tela mais harmonioso. “A beleza criada pelo grande artista torna ainda mais dramática essa paisagem cruel, essa vida na lama”, avalia Jorge Amado, no livro Bahia de Todos os Santos, referindo-se a uma obra do pintor Jenner Augusto retratando a vida nas palafitas.
Debruçar o olhar sobre as enseadas dos Tainheiros ou do Cabrito durante o pôr-do-sol e visualizar os raios incandescentes enchendo de luz os barracos de madeira era de uma beleza plástica que causava admiração. Para alguns, o cenário podia até retratar uma miséria linda de se ver. Já para os moradores, era praticamente impossível encontrar inspiração para qualquer poesia naquela seqüência de barracos de madeira se equilibrando sobre a maré. Viviam ali por mero instinto de sobrevivência. Tão dura e perversa quanto a morada, era a vida para aquelas famílias.
Contrastando com o brilho do sol que atravessava as frestas e enchia os barracões de luz, se o cotidiano delas tivesse cor, estaria mais próxima do preto do mangue. O cheiro também não era nem um pouco agradável – uma mistura de lixo, fezes, carcaças de animais mortos e outros dejetos sanitários despejados na maré. Também era fria. Fria como os ventos que vinham acompanhando a maré de março, e, sem pedir licença, avançavam pelas frestas dos barracões, insensíveis à finura dos cobertores. Imitando os barracos que viviam a se equilibrar na dança da maré, os moradores realizavam verdadeiros malabarismos para garantir a sobrevivência. De tantas lutas diárias, cada um passou a carregar dentro de si uma alma guerreira.
Nascido e criado em um barraco em Novos Alagados, José Eduardo Ferreira Santos representa um dos tantos guerreiros das palafitas. Desde cedo, se despiu do estigma da pobreza e buscou trilhar um caminho diferente dos pais. Não deixou para trás a rua que foi palco de todas as peraltices de infância. O lugar onde foi erguida a casa de alvenaria é o mesmo que outrora abrigou um barraco sobre a maré. Só que em vez de água, hoje a casa é sobre a terra. Ele continua o mesmo homem simples da palafita, mas ostenta no currículo um mestrado em psicologia, dois livros publicados e viagens internacionais.
A vida sobre as palafitas é página virada, mas as recordações da “situação de pobreza concreta e desumana” foram preservadas. “As pessoas tinham que viver em uma precariedade constante. Só a condição de pobreza explica o que é viver sobre uma palafita. É um arranjo que a pessoa improvisa. Não tem poesia. É uma realidade dura, por isso é preciso ser forte. Quem morou em palafita tem uma força tremenda”, avalia. Mais do que força, eles revelaram saber conviver perante as adversidades.
Enquanto na cidade clandestina eram conhecidos pelos respectivos nomes, para os moradores da cidade formal, eles carregavam o peso de serem os invasores da maré e viver em palafitas. Habitar a maré era estar sujeito à segregação, ser discriminado e rotulado. Tudo isso por não terem direito a uma morada digna. “As famílias introjetavam o estigma da pobreza e impotência, contudo se percebia um forte espírito de coletividade”, avalia o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Mateus de Carvalho Soares, que estuda a sociologia urbana. Tão pejorativo quanto os julgamentos que se faziam daquela gente foi o nome escolhido para denominar a localidade: Alagados.
Tido como uma das primeiras invasões da capital baiana, Alagados chegou a reunir no início da década de 90 mais de cem mil habitantes e se configurou em Salvador como o maior exemplo da desordenada ocupação do solo por invasões. Décadas mais tarde, quando começava a se acreditar que as palafitas seriam erradicadas do cartão-postal da cidade, eis que surgem Novos Alagados. Com as mesmas características do outro conglomerado urbano sobre a maré, o lugar abrigou remanescentes de Alagados e milhares de famílias que buscavam um teto. A paisagem era a mesma e não tardou para ganhar proporções semelhantes. A diferença é que, em vez da Enseada dos Tainheiros, o local escolhido para abrigá-lo foi a Enseada do Cabrito.
Ciente do peso que era ostentar aquele endereço no currículo, na hora de procurar emprego, inúmeros moradores o escondiam no intuito de serem aceitos. Depois de um forte trabalho de organizações não-governamentais (ONGs) locais, aos poucos eles conseguiram trilhar uma nova história. Em vez de reféns, passaram a assumir a sua verdadeira identidade e ter orgulho dela. Até então, podiam até esconder o endereço, mas não as cicatrizes espalhadas pelo corpo. Fruto das quedas nas pontes, elas representavam uma marca universal dos moradores. Em menor ou maior proporção, todos a ostentavam. Quando não eram as pontes que cediam carregando junto consigo para a maré as pessoas que trafegavam no local, muitas vezes os próprios barracos não suportavam o peso e desmoronavam, evidenciando a fragilidade da construção.
Era uma vida subumana. Não contavam com as mínimas condições de sobrevivência, mas o próprio tempo e a necessidade os ensinaram muito bem a lidar com a escrota arte de viver sobre a maré. “Não havia dor maior para uma mãe do que ver os filhos chorarem porque ainda não estavam acostumados a viver sobre a maré. Eu não agüentava ver as crianças chorando. O jeito que encontrava era sair com eles de manhã e só voltar quando estava anoitecendo”, conta dona Epifânia Ferreira, 79 anos, que à época garantia o sustento da família como lavadeira.
Se não tinham infra-estrutura disponível, a saída era o improviso. A água vinha de balde, a energia elétrica era substituída pelo candeeiro e, na falta de um sanitário adequado, faziam um buraco na palafita e os dejetos caíam direto na maré. Na falta de fogão, a comida era cozida no fogareiro no chão. Muitas vezes, diante de uma dispersão, o fogo atravessava o chão e a panela caía direto na maré. Em maior número eram os pequenos acidentes. No entanto, no final da década de 90, o fogo se alastrou por cinco barracos nas palafitas de Alagados, causando um verdadeiro desespero entre a população. Embora estivessem rodeados pela água, em minutos o fogo se propagou, fazendo as moradas virarem cinzas.
Quando faltava dinheiro para comprar comida, o anzol era a solução. Da própria porta de casa conseguiam tirar da maré o que comer. E mesmo se a maré não tivesse para peixe, podiam contar com os vizinhos. Melhor, ali eram mais que bons vizinhos, formavam uma grande família. Talvez por compartilharem das mesmas dificuldades, desde a chegada dos primeiros moradores, construíram um forte movimento de solidariedade. Sabiam que só com a ajuda mútua e um movimento coeso conseguiriam levar melhorias para o local. Mais do que unir forças para reivindicar educação, saneamento básico e energia elétrica, podiam contar uns com os outros para ajudar a trocar as madeiras do barraco ou mesmo para pedir um punhado de farinha. No fundo sabiam que com um pouco de empenho podiam trocar o ritmo agitado do embalo da maré por uma canção mais lenta.






Elo trágico

Pontes de madeira erguidas sobre a maré eram motivo de acidentes entre os moradores do lugar


Podiam até respeitar o relógio dos homens, mas nas palafitas não era ele quem ditava as horas. Ali, o mais importante dos relógios era o da maré. Era o nível das águas do mar que sinalizava quando as famílias podiam sair de casa e também o seu retorno. Elas desconheciam qualquer teoria que justificasse todas aquelas alterações. Para aquela gente que mal freqüentou a escola, era exigir demais que compreendessem o fenômeno causado pelas atrações simultâneas do Sol e Lua sobre as águas do globo. Bastava estarem atentos às mudanças da lua que dificilmente erravam. Quando isso acontecia, era um verdadeiro corre-corre de mães carregando crianças como pencas, equilibrando-as nos braços para protegê-las da maré.
“Quando a maré enchia demais era um percalço transportar as crianças. A água cobria as pontes e não tinha como atravessar. Carregava uma por uma no braço para levar à escola”, conta dona Epifânia Ferreira. Embora não tenha ocorrido nenhum acidente mais grave, todos os dez filhos tiveram os corpos marcados com pequenos arranhões fruto das quedas nas pontes. Mesmo quando o nível da água estava baixo, não podia haver descuido. Bastava um pouco de desatenção e, quando viam, os pequenos eram tragados pelo mar, causando desespero. Quem sentiu na pele esse drama foi Maria de Fátima Santos de Jesus, 33 anos.
Ela saía para trabalhar e enquanto fechava a porta de casa o filho de 3 anos caiu da ponte. “Nesse dia, a maré estava alta e quando vi a criança já estava sendo arrastada pela água. Comecei a gritar, como não apareceu ninguém para pegá-lo, me joguei na maré e o segurei pela camisa”, conta. O pequeno bebeu tanta água que teve que ser levado para a emergência. Algum tempo depois, seria a filha de 1 ano e 2 meses que cairia também. Para sua sorte, dessa vez a maré estava baixa. “Ainda bem que ela caiu na lama e não teve nada”, diz Maria de Fátima.
De tão freqüentes os acidentes, as marcas viraram um sinal coletivo entre os moradores das palafitas. Assim como as lembranças ácidas da vivência sobre a maré, as cicatrizes os acompanharão por toda a vida. “Até hoje tenho a cicatriz de um palmo na perna esquerda. O prego saiu rasgando tudo”, recorda dona Cleonice Silva Santos, 64 anos, mais uma das vítimas das pontes. Construídas de forma rudimentar com madeiras reaproveitadas, elas exibiam fileiras de pregos à mostra, como se estivessem à espreita de uma nova vítima. Por mais que os moradores cuidassem da manutenção, vez ou outra a comunidade acabava sendo surpreendida pelo aviso de que a madeira não dava mais conta de suportar o peso das inúmeras pessoas que repetiam o movimento de vaivém diário sobre ela. “Em 1986, as pessoas para entrar em casa tinham que esperar a maré baixar, senão caíam porque todas as madeiras estavam podres”, relata a educadora Vera Lazarotto, que viveu em Novos Alagados de 1976 a 2001.
Antes das pontes expandirem pelas palafitas, o meio de sair de casa na maré alta era o barco. “Quando a maré estava cheia a gente saía de barco e quando estava vazia íamos pela lama mesmo e levava uma toalhinha pra limpar as pernas quando chegava no seco”, conta dona Cléo. Assim como as palafitas, as pontes começaram a surgir timidamente e, em poucos anos, já eram responsáveis, pela interligação de toda aquela cidade informal. Diante da grande multiplicação, a saída foi atribuir nomes a elas. “As pontes vão sendo organizadas de acordo com a procedência das famílias, que possuíam origens e tradições diferentes. O meu trabalho junto com Lázaro foi justamente esse, tecer essa união entre as pessoas”, informa Vera Lazarotto.
Para os moradores, a água salgada da maré até protegia e prolongava a vida da madeira utilizada nas pontes de ligação entre uma palafita e outra. No entanto, a água doce da chuva acabava acelerando o seu desgaste. Frágil como os barracos, as pontes precisavam ser reforçadas constantemente. Quando os líderes comunitários não conseguiam sensibilizar o poder municipal, a saída era realizar mutirões e revitalizá-las com sobras que encontravam nos lixões. Espaço comum de convivência, elas representavam o palco de novas amizades e era onde, literalmente, as vidas se cruzavam.
Era como um município do interior dentro da cidade grande. O despertador coletivo era o barulho do rádio às 5h, seguido da luz do sol, do choro das crianças e do grito das mulheres de porta em porta vendendo pamonha. Ali as pessoas sentavam nas portas para papear, pediam uma xícara de arroz emprestado pela janela e as mulheres se reuniam em grupos para mariscar. Assim como compartilhavam as angústias e tristezas, dividiam os parcos momentos de diversão e alegria. “Ninguém sentia uma dor sozinho”, diz dona Cleonice. As dificuldades eram muitas, mas sempre acabavam encontrando uma justificativa para continuarem lutando. De fato a vida ali não tinha muito colorido, mas isso não impedia que ela fosse animada com algumas notas musicais. Enquanto dona Epifânia se benze e diz “Ave Maria, cruz credo”, quando recorda da vida nas palafitas, para dona Cléo, por mais que o livro não traga muitas histórias felizes, há trechos que ela guarda com carinho no seu baú de saudades. Sabia que para fazer festa tinha que reforçar o chão de casa, senão ele não resistia e jogava todo mundo na maré. Ainda assim, ela tinha prazer em ver o barraco encher de gente atraída pelo som dos instrumentos do marido. “Era acordeom, pandeiro, uma verdadeira festa. O povo amanhecia o dia aqui. Mas antes a gente tinha que reforçar o chão”, diz, saudosa.
Verdade ou ficção, o fato é que todo ex-morador das palafitas guarda a lembrança de um barraco que não suportou o peso e despencou durante um enterro ou aniversário. “Um menino morreu atropelado em Paripe e muita gente veio para o velório. Por causa do peso, o chão cedeu, levando todo mundo para a maré. Mas não deu para ninguém morrer afogado. Quando corria a notícia que uma casa tinha caído, todo mundo ia ajudar”, conta dona Epifânia Ferreira, 79 anos. Talvez as crianças tenham sido as principais vítimas da maré. Chefes de família, as mães saíam para trabalhar, deixavam os filhos maiores tomando conta dos menores e, por algum descuido, os pequenos caíam dentro dos buracos usados como sanitário.
“Na favela a situação familiar é diferente. É muito comum encontrar a mulher trabalhando e o homem, não. A figura feminina é o principal arrimo da família”, explica o mestre em psicologia José Eduardo Ferreira Santos, nascido e criado em uma palafita. Não há nenhuma estatística que revele com precisão o número de mortes, mas relatos dão conta de que dezenas de crianças tiveram a vida sugada pela maré. Os primeiros casos chegaram a ser noticiados como manchete de jornais mas, de tão habituais, foram perdendo o destaque. No calor do acontecimento, causava revolta e indignação, mas acabavam tendo o mesmo destino das páginas dos jornais – no dia seguinte eram deixados de lado e viravam folhas de embrulho.
Nesse cenário de precariedades, a grande diversão era o banho de maré, a picula nas pontes, as partidas de futebol na lama, e claro, pescar e mariscar. “Os moradores das palafitas expressam uma variedade de práticas cotidianas que refletem o seu ambiente de morada. Nessas práticas percebe-se claramente o envolvimento do morador da palafita com o ambiente da maré, como se efetivamente fizesse parte daquele ecossistema”, avalia o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Mateus de Carvalho Soares, especialista em sociologia urbana.


















Guerreira escondida

Epifânia Ferreira, 79 anos, revela as marcas da luta diária contra a miséria e a fome


Na cadeira de rodas na porta de casa, dona Epifânia Ferreira, 79 anos, assiste a vida passar. Quem vê a senhora de aparência frágil não consegue enxergar a guerreira escondida ali. O sorriso doce e o semblante leve da matriarca de cabeleira alva escondem as marcas de uma luta diária travada contra a miséria e a fome. Morava no Luso, mas com a construção da Avenida Suburbana teve que deixar o local e acabou erguendo uma palafita em Novos Alagados. “Vim com os filhos todos”, diz, referindo-se aos dez filhos, sendo apenas quatro biológicos. Comparada aos dias de tormento, hoje, ela diz, leva uma vida de princesa. Mora em chão firme, tem telefone em casa e duas televisões, sendo uma delas de 29 polegadas.
“Não gosto nem de falar daqueles tempos. Para fazer a casinha tive que ir para o mato tirar madeira. Botava uns pauzinhos hoje e outro amanhã. Levei quase um ano nessa vida para construir dois cômodos. De noite para dormir acendia o fogo do lado de fora porque havia mosquitos demais”, conta, acrescentando que foi mordida por rato três vezes enquanto dormia. Ela foi uma das primeiras pessoas a fincar os pedaços de madeira na maré de Novos Alagados e construir ali a sua morada. “O povo foi chegando aos poucos, marcando os paus e hoje isso aqui está uma cidade”, diz, apontando as casas ao redor. Quem vê a rua toda pavimentada sequer desconfia que um dia ali foi maré.
É como se fosse mais uma batalha vencida. Além dos esforços individuais e coletivos, foi preciso muita raça. Durante protestos em que reivindicavam uma infra-estrutura mínima para Novos Alagados, moradores foram enxotados pela força policial com bomba de gás, líderes comunitários foram presos e ainda tiveram que correr dos cachorros da Polícia Militar. Mas isso não intimidou a população. Desde que invadiram a maré, as famílias construíram um forte movimento social e estavam dispostas a lutar até o fim pela garantia dos seus direitos. Para a organização da comunidade, cada núcleo de moradores criava sua estrutura social. “Hoje a gente dá risada quando lembra das dificuldades, mas para conquistar isso aqui foi muita guerra”, conta dona Elza Soares Silva, 51 anos.
O espírito de guerreiro não permitiu que as famílias desistissem. Além de reivindicarem do poder público providências para a localidade, homens e mulheres colocavam a mão na massa e faziam sua parte. Diante de tantas adversidades, era preciso buscar meios de trilhar um caminho diferente. Além de saírem no meio da noite em busca dos entulhos das construções abandonadas, realizaram inúmeras vaquinhas para a compra de caminhões carregados de entulhos. “Muita gente saiu daqui porque não teve peito para entulhar”, conta dona Elza. A passos lentos, depois de quase dez anos de labuta, conseguiram aterrar a primeira travessa. O nome escolhido para denominar o lugar reflete o anseio de uma gente cansada de lutar: Travessa da Paz.
“A gente esperava anoitecer para ir pegar os entulhos, mas quando os vigias percebiam, tomavam tudo”, recorda dona Epifânia. Na Segunda Travessa Nova Esperança, o aterramento também foi fruto das mãos e suor dos moradores. “A gente começou carregando entulhos para colocar aqui. Quando a prefeitura chegou já tinha muitas casas entulhadas”, conta dona Elza, que foi criada em Alagados e chegou a Novos Alagados logo que iniciou a invasão. Sabiam que só com o esforço coletivo conseguiriam melhorias para o local. E, de tanto batalhar, a comunidade passou a servir de referência para outras invasões da cidade, contribuindo assim para o nascimento do Movimento de Defesa das Favelas (MDF).
“Mobilização comunitária sempre existiu, mas existia também uma forte presença de dom Lucas Moreira Neves, que trouxe a Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi), que junto com a Conder iniciou o processo de revitalização da área”, explica José Eduardo. Além da recuperação física e ambiental, as intervenções realizadas tinham como foco estabelecer uma relação entre vários agentes, possibilitando uma forma articulada e integrada de intervir no espaço urbano e de transformar o comportamento dos moradores em relação ao seu habitat.
Comparado às intervenções anteriores, o Ribeira Azul revelou-se um programa muito mais amplo, com perspectivas mais eficazes – pelo menos sob a ótica do planejamento público. Foram milhões investidos e o programa reconhecido Brasil afora. Segundo especialistas, as estratégias utilizadas revelam aparentemente uma proposta mais consolidada, tendo como meta principal a erradicação das palafitas. Premiado internacionalmente como modelo de intervenção urbanística, o programa transformou a área. No entanto, não fosse a mobilização da comunidade talvez o projeto não tivesse saído do papel. Se o problema era cobrar do poder público, protagonistas não faltavam para desempenhar esse papel. Isso porque um dos aspectos que muito chamam a atenção é o número de associações de bairro nas comunidades de Alagados e Novos Alagados.
“Nunca foram favelados caracterizados só pela pobreza, tinham um forte dinamismo cultural e educativo. As primeiras escolas que surgiram, por exemplo, foram resultado da luta das lideranças comunitárias que levaram em frente a conquista dos direitos”, avalia Eduardo. Em algumas áreas foi possível entulhar e manter os moradores no local. Em outros casos foi preciso relocá-los para conjuntos habitacionais. No entanto, as casas ficaram pequenas demais para os sonhos dos antigos habitantes da maré. E é por isso que a luta por transformações sociais continua. O movimento permanece coeso. Só que agora, ao invés da infra-estrutura, carregam como principal bandeira a educação.
Na opinião de Vera Lazarotto, embora fosse uma vida muito dura, as famílias viviam o dia a dia na comunidade. “Havia muita esperança, força interior e desejo de transformação por parte da população”, diz a educadora. Para ela, o crescimento da Sociedade Primeiro de Maio, primeira ONG criada em Novos Alagados, se deu justamente através da luta pela educação. “Cada novo núcleo que surgia na maré procurava a Sociedade em busca de educação. A criação de escolas foi fundamental para o enraizamento da população no local”, avalia. Premiado pelo Unicef e homenageada pela Unesco, o trabalho da Sociedade Primeiro de Maio é motivo de orgulho para a educadora Vera Lazarotto. É com sorriso no rosto que ela informa que no local só há 4% de analfabetos entre idosos e que uma pesquisa realizada em 2004 indicou que o índice de analfabetismo com relação à população com idade igual ou inferior a 25 anos é menor ainda – apenas 1%. Foi por acreditar nessa filosofia que junto com o marido, Lázaro Lazarotto, à frente da Sociedade 1º de Maio, conseguiu empreender muitas transformações sociais em Novos Alagados. Hoje, a ONG possui três escolas comunitárias, uma creche, um centro de reforço escolar, filarmônica, biblioteca e um centro profissionalizante com oferta de sete cursos. A sociedade atende a 2.116 crianças e adolescentes e 116 pessoas da comunidade trabalham lá dentro. “É aquilo que Paulo Freire diz: ´É preciso ter fé nas pessoas´”, defende a educadora.
***Alagados
(Aos meus amigos de Infância.Em memória: Valtemir, Vando Bandolo, Gilson Caruru,Toinho Magriça, Carlinhos Negão e Mario Nagô.)
Estes versossão memórias e sonhosda maré como lembrançanos desejos da infânciavivida nas palafitas...De pés descalçoscorrendo pelas pontes,catando raios de solnas asas de um beija-flor!Meu coração tinha enredos:melancolia e fantasiaspalpitavam como foliase desfilavam sem alegorias...
À noite,os momentos eraminfinitos: um fifó acesoespantando a escuridão,gatos lânguidos esfomeados,ratos correndo dos algozese tamancos rachadosfugindo da leptospirose...O tempo à noitesempre se estendia,eu tentava empurrá-locom as mãos, pura agonia!Ele teimava em desfilarentre os dedos, lentamente...Segundos, minutos, horas e dias,parava o tempo!
Uma Ave Maria e um Pai Nossopara amenizar o sofrimento!
Pela fresta,via-se as últimas gotasde estrelas trêmulascirculando sobre tábuaspodres sobrepostase esqueletos de caibrossob a lua que ludibriava os telhados...
O diaflorescia na enchente,atiçada pela maré de março.Em cada barraco, olhos veladosretiravam o que tinhame o que não tinham, sufoco!O povo dos alagadosrecorria a todos os santossob a luz de um sol minguado...
Correi marezeiros!
Há nas pontes,dependurados e sombreados,desejos da vida, sangue em lágrimas,trapos velhos e pinicos furadosrasgando o ventre dos sonhos,agora, macerados!Bocas de caranguejos, asas de morcegose nenhuma flor como desejo...
A maré cheianos convidava ao mergulho.Crianças davam caídas,era o prazer do corpo na água,o debater de braços e pernas,nadar! Ingenuidade da flor idade...Na borda do prazer,a cilada montava o cenárioentre estacas, lixos e galhos.O perigo era fatal... Tarde demais!No azul, um sol de tempestades.A morte é crua, a felicidade é fugaz,na adversidade mais um que se vai...Erguia-se um silêncio!Havia uma alma desesperada,em fuga, pedia a extrema-unção.A tarde uivava, a dor se curvavae nenhum padre, nenhuma benção,mas a noite te virá em orações!Naqueles momentos,a maré cumpria a sua sina.Vestia-se de cinzae nos desespero das lágrimasuma garoa fina!
Mas, não sei, era paradoxal!Pratos vazios, tripas em revoluções,urubus, cachorros e ratoslutavam por comidas no beira mangue...Siris magros e mariscos aferventados,crianças amareladas exangues.O prato se repartia, mercúrio disputado,enquanto lombrigas faziam greve de fome!
Sob um céu de jade,natal chegavacom luas estreladas!Nos olhares, quanta alegria,escondendo a dor, a melancolia...Os barracos eram enfeitados,nos pisos de tábuas carcomidasa areia branca dava o toque mágico,nos alagados, enfim, tinha vida!Nos jarros de barro,galhos de pitanga e espadas de Ogum,folhas de arruda presas nas portas,sal grosso nos telhados e alfazemapara espantar os maus-olhados,gatos pretos ludibriados...A noite era o olhar e viria em clarões!Nas portas, nenhum tamanco, nenhum chineloe pela manhã, nem ao menos uma bola, uma boneca!Papai Noel nunca vinha, disfarçava, enganava...
No fundo de nós,uns olhos de tormentostorturados por natais iguais,à procura de manhãs desiguais!
Valei-nos, Jesus menino!Lembrai dos vossos pequeninos,em vossas mãos, os nossos destinos!
Nelson Haroldo










Remanescentes no mar

Cinqüenta barracos de madeira ainda flutuam sobre a maré na Baixa de Massaranduba


Elas não compõem mais o cartão-postal de Salvador como outrora. A cidade das palafitas praticamente foi erradicada, mas até hoje, na Baixa de Massaranduba, um grande labirinto de becos estreitos leva a cerca de 50 barracos de madeira que flutuam sobre a maré. Penetrar no ambiente sombrio de pessoas com semblante carregado é como percorrer ruas de uma outra capital. Nela, a miséria é gritante e está retratada no cenário insalubre. É um lugar onde o inabitável se transforma em abrigo de famílias que um dia sonharam com um lar. Diante do sofrimento, muitos já nem sabem mais admirar a beleza de um pôr-do-sol.
“Só a falta de uma casinha para morar justifica eu continuar aqui. Isso não é para gente não”, desabafa a dona de casa Sirleide Santos, 29 anos, que sonha com a casa própria no chão firme.
Excluídas do mercado de trabalho formal, as famílias não têm a menor condição de arcar com outra forma de moradia. E, mesmo considerando as condições desumanas, não vêem outra opção senão continuar vivendo sobre a maré. Ali pelo menos alimentam a expectativa de, a qualquer momento, serem beneficiadas com uma nova habitação através dos programas da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).
É fim de tarde de uma sexta-feira de janeiro de 2007. O sol se prepara para se debruçar sobre a Baía de Todos os Santos e, da porta de casa, a baiana de acarajé Edineusa Santos, 37 anos, parece ignorar o belíssimo espetáculo. Quando olha ao redor do barraco de madeira onde vive há 11 anos, só consegue pensar em uma coisa: quer se mudar dali. Enquanto muitos sonham com uma morada com vista para o mar, seus olhos não conseguem vislumbrar nenhuma beleza naquele cenário. Só enxerga a situação de pobreza extrema. Diante de tantas dificuldades, perdeu a capacidade de apreciar as coisas simples da vida. Ela já não se encanta com o pôr-do-sol nem com a freqüente dança dos barcos sobre a maré. Também cansou de bailar no mesmo ritmo das águas, acompanhando o balanço da palafita.
Andar pela ponte que circunda a casa onde vive também requer cuidado absoluto. É preciso pisar com cautela e torcer para que nenhuma madeira vire pó diante de um passo firme. Para Edineusa, aquilo não é vida, é um martírio, é como se estivesse fadada a carregar uma pesada cruz. E o corpo começa a emitir os primeiros sinais de que não agüenta mais. Desde que se instalou ali na Baixa do Petróleo, em Massaranduba, sonha com a mudança. Mas falta para onde ir. Antes, vivia em uma casa de aluguel na Ribeira. “A gente não podia mais pagar, então o jeito foi vir para a maré. Aqui é um sofrimento, quando a gente anda em casa balança tudo”, conta a dona de casa, que divide o barraco de três cômodos com o marido e dois filhos.
Foi justamente a falta de recursos para moradia que motivou o povoamento da maré no final da década de 40. Em uma cidade que crescia sobre a terra, provavelmente deve ter causado um certo estranhamento quando o autor da empreitada fincou na lama as primeiras estacas e anunciou o que faria no local. Quem via a casa ganhar formas devia duvidar que aquele esqueleto de restos de madeira protegeria famílias da chuva e do sol. A idéia era audaciosa. Inovadora também. Ainda assim, o autor parece não ter publicizado muito o feito. Muitos desconhecem quem foi o primeiro a habitar a maré. Há quem atribua a um mestre-de-obras chamado Paulo Costa. Fato é que, em pouco tempo, o novo arquétipo de moradia ganhou um sem número de adeptos na Salvador provinciana.
Pioneiros Para construir os barracos não necessitavam de conhecimentos de engenharia civil ou arquitetura. Ali, a ciência que falava mais alto era a vontade de ter um teto, mesclada a uma boa dose de improviso. Quarenta e oito anos se passaram e dona Diva Barbosa Machado, 82 anos, guarda fresquinha na memória as lembranças da construção da primeira palafita que morou. “Levei as telhas de canoa. Lembro que no início forrei o chão de jornal para fazer de cama e também usei como lençol”, conta. Madeirites, restos de madeira e telhas Eternit eram as principais matérias-primas utilizadas para erguer as casas. Na busca por um pedaço de terra onde pudessem levantar a morada, milhares de famílias trocaram a terra firme pela maré e ali construíram parte de uma vida. “Com o lixo, com a lama e com a necessidade de habitar, com sua capacidade de viver, de se sobrepor à morte, o povo constrói bairros inteiros, ergue suas casas na terra ou no mar”, relata Jorge Amado, no livro Bahia de Todos os Santos.
Desabrigados do incêndio da Feira de Água de Meninos, imigrantes do interior baiano atraídos pelo anúncio do governo que estabeleceria na Península de Itapagipe uma zona industrial e tantos outros sem-teto foram chegando e se instalando. Mesmo a promessa do governo não se concretizando, o lugar já representava um leque de oportunidades de emprego por abrigar as indústrias Sambra (produtora de óleo de mamona), Souza Cruz, Barreto de Araújo (fábrica de chocolate), Crush (fábrica de refrigerante), Fagipe (fábrica de tecido) e a Cortiço, que produzia material homônimo. A descoberta do poço do petróleo em Lobato, em 1939, também serviu de chamariz. “A morada nas palafitas reflete uma situação de existência marcada por múltiplas pobrezas”, avalia o especialista em sociologia urbana Antônio Mateus.
À época, Salvador não possuía aterro sanitário e era no local que era despejado todo o lixo produzido na cidade. Bastava ouvir o barulho do caminhão chegando que homens, mulheres e crianças corriam afoitos em busca do aproveitável. Ali, gente disputava com ratos o que comer. “Todo lixo de Salvador era descarregado aqui. Quando o espaço não suportava mais tanto lixo é que fizeram o aterro sanitário. Quando era menino nossa diversão era ver o caminhão descarregar o lixo”, conta o engenheiro eletricista Nelson Haroldo, nascido e criado em Alagados.
As condições eram as mais insalubres possíveis, mas nem isso impedia que a invasão fosse ganhando novos moradores. Não tardou para que a notícia de que, na Salvador em que os terrenos começavam a ser alvos da especulação imobiliária, restavam ainda pedaços de terra de ninguém. Quer dizer, havia quem acreditasse que o mar não tinha dono. Só mais tarde as famílias travariam uma briga com a Marinha para permanecerem no local. “As primeiras famílias foram ocupando a área de mangue, mas os que chegaram mais tarde só encontraram a maré mesmo. A palafita é uma morada antropológica. Está muito ligada com a própria busca do homem por proteção e sobrevivência. Tem uma relação direta com a história ancestral dos negros, que em outras partes do mundo já adotavam essa forma de moradia”, diz o fundador da ONG Bagunçaço, Joselito Crispim.
A ocupação começou em Itapagipe em 1942, mas não tardou para que se espalhasse também pelos bairros do Uruguai, Massaranduba, Vila Ruy Barbosa, Jardim Cruzeiro, Caminho de Areia e Lobato. Um Plano Urbanístico de Salvador criado em 1943 tinha grandiosos planos para a Enseada dos Tainheiros. Os terrenos de Marinha situados no local deveriam ser preservados para implantação de indústrias. Anos depois, a área ganha novo destino. Deveria servir para expansão de loteamento de habitação popular. “Essa confusão jurídica e indefinição oficial a respeito da finalidade da área motivaram, em 1947 e 1948, a ocupação ilegal dos terrenos ali existentes. Fenômeno que, na capital baiana, passou a ser chamado comumente de invasão”, explica o professor da faculdade de arquitetura da Universidade Federal da Bahia e autor da dissertação de mestrado Os Alagados da Bahia – intervenções públicas e apropriação informal do espaço urbano, Eduardo Teixeira de Carvalho.
Foi logo no início do surgimento de Alagados que Irmã Dulce elegeu o local para iniciar suas obras de caridade. No entanto, estranhamente, a comunidade que acolhia a todos calorosamente negou-lhe os braços. Quando chegou de mansinho levando médico para dar assistência às famílias e distribuindo medicamentos, era recebida com festa. Mas eis que surge em seu caminho um jornaleiro passando mal e o anjo bom da Bahia invade um barraco abandonado para atendê-lo. Desde então, todos aqueles que cruzavam com ela apresentando a saúde debilitada eram levados para o local. Por maior que fosse a admiração à “freirinha de aparência frágil”, aquela gente não concebia que o espaço fosse usado para abrigar doentes. Talvez achassem que já tinham sofrimento demais por perto e não queriam cogitar a possibilidade de alguma forma serem infectados pelos doentes. Tempos depois de expulsá-la, eram eles que se veriam na berlinda para deixar o local.



(Jornal Correio da Bahia - 11.02.07)

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